A bordo do comboio do capital?

Há uns tempos escrevi sobre a importância de o Marítimo acompanhar a tendência atual e não deixar fugir o comboio do capital. A um mês de iniciarmos a nova temporada, com a esperança de subida à divisão principal algo periclitante, esta discussão torna-se ainda mais premente.

A realidade financeira e desportiva do clube (e da SAD) impõe uma mudança de paradigma. É essencial que o Clube Sport Marítimo e a Marítimo SAD atraiam um investidor com capital e experiência na gestão do futebol profissional. A estrutura atual está financeiramente limitada e desportivamente enfraquecida, sobretudo após a descida de divisão. Um parceiro externo poderá injetar liquidez para reforçar os objetivos, cumprir obrigações e investir em áreas-chave.

Mas, mais do que dinheiro, é necessário know-how: alguém que traga experiência. Experiência no mercado de transferências, conhecimento prático de gestão desportiva, redes de scouting e staff técnico de qualidade — além de capacidade para estruturar um departamento comercial, trabalhar a marca, atrair patrocinadores, gerir plataformas digitais e aumentar receitas. Poderá ainda abrir portas para parcerias, empréstimos de jogadores e até visibilidade internacional do Marítimo. Isso permitirá montar um projeto à altura do clube e da região.

Ao mesmo tempo, esta mudança permite ao Clube Sport Marítimo libertar-se da pressão financeira e concentrar-se no que melhor faz: preservar a identidade do clube, reforçar a ligação à sua massa associativa, apostar nas camadas jovens, nas modalidades e na cultura desportiva insular. A separação clara entre o clube e a gestão empresarial da SAD é uma oportunidade para profissionalizar o futebol sem diluir a história e os valores que o Marítimo representa.

A operação, porém, deve ser feita com salvaguardas — como é óbvio. Mas com o parceiro certo e um bom acordo, o Marítimo pode regressar à I Liga com ambição, profissionalismo e identidade preservada.

Tendo isto presente, afastemos desde logo o primeiro mito: não está em causa a venda do clube. Esqueçam lá isso. O clube não se vende. O que se pode vender são as ações que o clube tem na sua empresa de gestão do futebol profissional (a Marítimo SAD), que atualmente anda à volta dos 92%. Sendo que, pelo que tem sido público, haverá proposta para que o Marítimo possa vender até 60% dessas ações. Ficando, ainda assim, se for o caso, com cerca de 30%, o que é uma posição ainda relevante. Para termos noção do que falamos, até 2017 o Marítimo possuía apenas 40% da SAD verde-rubra, sendo o Governo Regional detentor de outros 40%, e os restantes 20% divididos por pequenos subscritores. Portanto, durante largos anos — curiosamente, os seus de maior sucesso — o Marítimo não era maioritário na SAD.

Então como é que isto se processa?

A venda de ações do Marítimo na SAD a um investidor externo exige um procedimento legal rigoroso, composto por várias etapas essenciais. Importa agora apenas sublinhar que a venda de ações pelo CSM na Marítimo SAD requer: (1) deliberação da Assembleia Geral do clube (autorizando a venda); (2) notificação obrigatória aos titulares do direito de preferência; (3) aguardar o prazo legal; (4) celebração do contrato com o comprador.

O primeiro passo, nos termos dos Estatutos do CSM, obriga à realização de uma AG Extraordinária, com inclusão da proposta de venda de ações da SAD. A proposta deve indicar a percentagem de capital a alienar, a justificação estratégica para a operação, as condições gerais da transação (como o preço e o perfil do investidor) e as eventuais contrapartidas para o clube.

E será eventualmente este o passo mais complexo. Porque obriga à aceitação expressa da maioria dos sócios do Marítimo presentes nessa AG. Algo que, dada a sua sensibilidade, exige da Direção uma comunicação clara das condições negociais aos sócios, para que estes estejam devidamente esclarecidos ainda antes da realização da AG.

Uma nota final para os mais desconfiados: mesmo que o Marítimo deixe de ser maioritário na SAD, não perde o controlo dos seus valores nem das decisões fundamentais. Como, podem perguntar?

Porque as ações de categoria A — exclusivas do clube fundador — que o Marítimo continuará a deter mesmo após o negócio, garantem, nos termos dos Estatutos da SAD, o direito de veto sobre matérias estratégicas (Art. 12.º), a designação de um administrador com poder de bloqueio (Art. 13.º), e a preferência sobre o património em caso de dissolução (Art. 26.º).

Em suma, o Marítimo pode abrir-se ao futuro sem abdicar da sua identidade. O comboio do futebol moderno já partiu. Temos de decidir se embarcamos… ou ficamos na estação a ver passar os outros.

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