A minha avozinha na sua imensa sabedoria letrada com a quarta classe sempre dizia:” se não tens nada para dizer de jeito, mais vale estares calado”. Olha-se em redor e dá a ideia de que aqueles que poderiam ter algo para dizer se tolhem em silêncio, enquanto uma multidão que não tem nada para dizer, não se cala incessantemente. Já nem falo daqueles que têm de mostrar que estão presentes, que por dever de ofício têm de agradar ou convencer em tiradas airosas, bastas vezes vazias, ou daqueles que para manter prebendas têm de servilmente exibir a sua concordância estafada, ainda que com reserva mental, enfim, toda a mediocridade inflamada que se leva muito a sério e ao seu verbo empobrecido e monótono.
A clareza da desfaçatez é tal que chega a roçar o burlesco, o retrato humorístico e inconsciente do ridículo. Inquieta-me mais a horda ignorante e a sua força, que dantes só protagonizava o verbo ardentemente nas tabernas, como diria o Eco e que agora dispõe de uma ferramenta virtual poderosa de afirmação livre e democrática. E é confrangedor o que se assiste, o discorrer alegre e orgulhosamente sobre o que não se sabe, os comentários grosseiros e deseducados, a fulanização dos confrontos, a zombaria sobre as idiossincrasias alheias, a agressão raivosa e o insulto pessoal à mingua de argumentos plausíveis, quando o silêncio devia ser de oiro. É ele que permite contemplar, reflectir, amadurecer ideias e pensamentos e com isso destrinçar o bem do mal, a seriedade da tramoia, o conhecimento da manipulação. Só ele permite crescer intelectualmente para fazer uso adequado do verbo. E são aqueles que, sem o saber, se tornam presas fáceis para qualquer manipulação e a quem se destinam as patranhas de quem quer impingir revisionismos, destilar ódios e ajustes de contas com o passado, servindo-se dos patamares básicos da ignorância e dos instintos primários da boçalidade. Veja-se o que se fez com os discursos eruditos do dia de Camões, as deturpações de um conteúdo incompreendido, mas venenosamente distorcido. Os manipuladores da turba não procuram que ela crie conhecimento amadurecido das coisas e nesta ninguém parece querer perder tempo a ler mais do que um título, a sustentar argumentos.
O que importa, na liquidez da modernidade de Bauman, é o imediatismo, a voracidade dos leads e das imagens, o consumo fácil e mastigado das coisas que suscite adesão imediata e uma qualquer opinião, por mais leviana que possa ser. E neste jogo oculto a eficácia da manipulação fica dependente do medo que conduz ao ódio a algo ou a alguém. Hoje torna-se difícil, pela velocidade e amplitude dos meios, destrinçar a verdade da mentira, a argumentação séria da manipulação descarada, o conhecimento histórico e científico da balela intelectual. A destrinça só pode ocorrer seriamente com conhecimento de causa, debate livre e completo, com a capacidade de pensar e sentido crítico. Mas não se o confunda com literacia académica, porque há muito cretino incapaz de um pensamento crítico cheio de pergaminhos de escola que só sabe daquilo que estudou e há pessoas apaixonantes e sábias sem qualquer letra de escola. Nem se baralhe silêncio com contemporização, porque a ignominia precisa de ser constantemente desmontada, pela desconstrução das manipulações, dos ódios vesgos, da ignorância, com a solidez afirmativa do verbo armado com a consistência crítica adquirida no esplendor do silêncio e da reflexão. Atribui-se a Hemingway ter afirmado que se leva dois anos para aprender a falar e sessenta para aprender a ficar em silêncio. A obrigação de um escrito mensal é um exercício penoso no confronto do silêncio com o verbo. Provavelmente mais valia ter estado calado.