Após 43 anos em Angola, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) encerra os seus escritórios no país, mas garante que o fim da operação não significa abandonar os mais de 55 mil refugiados que ali vivem.
“Não estamos a desligar as luzes nem a deixar os refugiados para trás”, garante Emmanuelle Mitte, representante do ACNUR em Angola, durante uma visita ao campo de refugiados do Lóvua, no nordeste do país.
A decisão foi anunciada apenas um mês antes da data que celebra o Dia Mundial do Refugiado, em 20 de junho.
Em declarações à Lusa, Mitte explica que a operação em Angola necessitava de aproximadamente 29 milhões de dólares anuais, mas o ACNUR recebeu dos doadores menos de 10% deste valor” não tendo outra opção senão “reduzir drasticamente” a presença neste território.
O fecho da operação implica também acabar com 40 postos de trabalho, incluindo 30 quadros nacionais, que têm, segundo Mitte, uma experiência valiosa que poderá ser absorvida por outras organizações ou pelo setor privado.
Grande parte do orçamento do ACNUR em Angola é absorvido pelo campo do Lóvua, que conta com uma série de serviços de apoio aos refugiados.
O assentamento do Lóvua, na Lunda Norte, foi criado em 2017 para responder ao êxodo de milhares de famílias da República Democrática do Congo (RDCongo) devido à violência no Kassai. No auge, abrigou mais de 35 mil pessoas, hoje acolhe cerca de sis mil, representando 10% da população apoiada pelo ACNUR em Angola.
Atualmente, o país lusófono acolhe 56.354 refugiados e requerentes de asilo, segundo o relatório de maio de 2025, sendo 42% provenientes da RDCongo.
“O ACNUR continuará a trabalhar com eles e com o Governo. Cumpriremos o nosso mandato, que é monitorizar a situação de proteção em qualquer país, e, no nosso caso, em Angola. Continuaremos a trabalhar com o Governo para encontrar soluções concretas”, assegura a responsável.
Admite, contudo, que os cortes drásticos já se fazem sentir no campo: “Alguns afetam a distribuição de alimentos, outros a gestão da água. É preocupante porque há um surto de cólera no país. Mas, com os nossos parceiros, estamos a tentar encontrar soluções para complementar o orçamento”.
A dirigente do ACNUR explica que o foco passa agora por reforçar a autonomia e dar asas para que as pessoas possam voar sozinhas. “Esse deve ser o plano para todos, refugiados ou não. As pessoas precisam de ser autossuficientes, autónomas. É uma questão de dignidade”, sublinha.
Nos últimos sete anos, à medida que os refugiados iam chegando, o ACNUR e os seus parceiros começaram a trabalhar com a comunidade, no sentido de os capacitar e dar competências que podem usar em Angola ou nos países de origem, caso decidam regressar.
Muitos tornaram-se pequenos agricultores, produzindo arroz, milho e hortaliças para venda nos mercados locais. “Alguns já se tornaram muito bons e vendem nos mercados. Por outro lado, beneficiam também a comunidade local, por exemplo o arroz produzido aqui é mais barato do que nos mercados próximos”, acrescenta Emmanuelle Mitte.
Outros frequentaram formações em costura e outros ofícios para estimular o empreendedorismo e reduzir a dependência. O objetivo, segundo a chefe do ACNUR, é garantir que a maioria encontre meios de subsistência próprios, embora reconheça que alguns continuarão a precisar de apoio.
A responsável sublinha que é essencial que estas comunidades tenham documentação adequada, algo que depende das autoridades nacionais.
“O Governo dá sinais que me deixam esperançosa de que a situação, essa falta de documentação que é preocupante, será em breve resolvida”, assinala, acrescentando que “foi retomado recentemente o registo de todos os refugiados”
Apesar do encerramento físico, o ACNUR manterá uma presença remota, coordenada pela delegação regional da África Austral, e continuará a colaborar com o executivo.
Assinalando o Dia Mundial do Refugiado, Mitte deixou também um apelo: “Aproveito esta oportunidade para pedir mais solidariedade de todos os países, empresas privadas e cidadãos. Contribuir para a causa dos refugiados não é responsabilidade de apenas um ou dois países no mundo, é de todos”.
O ACNUR iniciou operações em Angola em 1981 e liderou o repatriamento de refugiados angolanos, após o restabelecimento da paz em 2002. Entre 2003 e 2015, mais de 520 mil refugiados angolanos regressaram ao país, mais de metade vindos da RDCongo. De 2015 a 2016 a operação focou-se em refugiados urbanos e requerentes de asilo e a partir de 2017 deu especial atenção ao afluxo de refugiados que fugiam do Kassai.