Em casa, com honra de destaque, havia um vime da Camacha. O meu pai prendia-lhe uma das extremidades a um fio de couro e, dando ares de ato de grande solenidade, suspendia-o no manípulo da janela da cozinha e ele ali ficava escorreito, como pendulo imóvel. Mesmo que não fosse utilizado, permanecia bem exposto, qual poderosa arma de eficaz efeito dissuasor. Sempre que fazíamos alguma, lá vinha a ameaça: “olha o viminho da Camacha”. Olhávamo-lo de viés, com amuo no rosto, porém, logo nos convencíamos de que melhor seria esquecer a teimosia e obedecer.
Claro que o vime era odiado e algumas vezes decidi livrar-me dele. Aproveitando alguma distração, agarrava no dito e, com fio de couro incluído, atirava-o para o poio do vizinho. Tudo relaxava por alguns dias, até que algum mau comportamento fazia a sua ausência notada. Poucos dias volvidos, outro voltaria a ocupar o posto, para nos recordar que regras eram para cumprir. E, na verdade, nem eram assim tantas. Os meus pais não eram muito rígidos e, para além de conduta de boa educação, zelo por nós próprios e cumprimento de horários, não havia grandes exigências.
Numa coisa estávamos de acordo: todos gostávamos de uma visita à Camacha. Aliás, por esses tempos, os vimes da Camacha eram parte integrante da paisagem doméstica e desempenhavam múltiplas funções, todas elas de grande utilidade.
No jardim havia várias cadeiras de vime. Tinham formato de uma concha que pousava sobre um aro de ferro, sustentado por três pés. Eram leves na aparência e ofereciam bom conforto, para o qual contribuíam os almofadões coloridos que as cobriam. Eram elas que acolhiam as reuniões da família nas noites de estio, quando o calor e o lazer das férias faziam retardar a ida para a cama.
As presenças mais comuns eram os cestos e as cestas. Antes da chegada da poluidora comodidade do plástico, os cestos serviam para acomodar as compras, quando se ia à mercearia ou ao mercado. Havia também a cesta para os piqueniques, que ficava arrumada na arrecadação à espera que precisássemos dela, o que acontecia com frequência, pois o meu pai não gostava de deixar passar um fim-de-semana ou feriado sem um passeio algures pela serra. Esta era a minha cesta preferida porque se assemelhava a uma casinha com telhado de duas águas. Uma asa robusta, no centro, unia os dois lados da “cumeeira” e abria-se erguendo cada uma das “águas do telhado”.
Outra cesta imprescindível era a que levávamos para a escola com o almoço. Tinha um formato ovalado. A tampa, ligada ao corpo da cesta por dobradiças de trança de vime, apresentava na parte anterior duas reentrâncias, através das quais se erguiam argolas, do mesmo entrançado usado nas dobradiças. Enfiando sob elas um pau, ou vime, cortado à medida, ficava a cesta fechada. Esta era talvez a cesta mais maltratada de todas as que possuíamos, pois, por vezes, no entusiasmo da brincadeira, largava-a no chão, ou, se cansada, sentava-me em cima dela.
A necessidade de uma nova cesta era um pretexto para rumar à Camacha, ao antigo Café Relógio, onde, para além de podermos escolher os modelos de que necessitávamos, podíamos apreciar obras que iam desde os cestos de múltiplos formatos, até peças decorativas e de mobiliário. Inesquecível era também o mini zoo com vários animais esculpidos em vime, bem como a observação de um ou mais artesãos a compor a sua trama de vime com a mestria feita de muita experiência e saber ancestral.
Outros tempos!