Ele não tem sonhos, não diz ah eu quero fazer isto e aquilo, ah eu no próximo ano vou fazer isto e aquilo, ah o meu desejo é este e aquele, não diz nada e passa a maior parte do tempo calado e a vida também passa por ele calada, de modo que ninguém sabe ao certo quem ele é, o que faz, o que pensa, o que quer, pois ele não diz nada e a vida também não lhe diz nada, ele é apenas um homem solitário, muito solitário, embora habite em si um vago anseio de entrega ao mundo e uma vaga sombra de otimismo, uma sombra e um anseio que sendo muito vagos por vezes são também muito intensos, mas nunca encontram concretização no plano efetivo das coisas, ou seja, nunca acontecem de facto, fazendo dele um homem triste, podemos mesmo dizer profundamente triste.
Uma vez, ele disse-me assim:
– Quando eu for embora, a única coisa que poderão dizer de mim é que ocupei um quarto e comi um prato de sopa.
Depois confessou:
– Só tenho um sonho, uma única coisa que gostava de fazer antes de morrer, mas não o revelo a ninguém. É o meu sonho e não o quero publicitar.
Eu fiquei calado e ele acrescentou:
– Sou uma pessoa sem talentos e sem rendimentos. São as duas condições nucleares da frustração.
No dia 20 de fevereiro de 2010, porém, o gajo foi apanhado numa situação deveras lixada e essa situação mudou-lhe a vida de forma radical. À data, é importante dizer, ele já não tinha relações sexuais com ninguém há precisamente dois anos, quatro meses e três dias, ou seja, desde que a mulher o deixara, e isso fazia-o sofrer muito.
No dia antes de partir, a mulher entregara-se-lhe de corpo e alma, que é como quem diz toda e sem freio, e ele lembrava-se muito bem dessa última vez, embora a lembrança assumisse agora contornos de sonho, sendo que o gajo atribuía esse caráter mágico da recordação ao facto de ainda amar a mulher, embora não a visse desde então. Na verdade, amava-a profundamente, incondicionalmente, e considerava-a a luz da sua vida, mas não gostava da expressão – luz da minha vida – porque lhe parecia ordinária. Às vezes, queria compará-la com algo mais sublime e procurava sinónimos, procurava palavras raras, nomes e adjetivos invulgares, mas acabava sempre por voltar à luz – luz da minha vida.
No último dia, quando chegou a casa, que ficava no terceiro andar de um imenso bloco de apartamentos, a mulher abriu-lhe a porta de rompante. Envergava um vestido preto curto, curtíssimo, com um decote profundo, profundíssimo, e ele pensou como é linda a minha mulher.
Ela disse:
– Vamos fazer amor.
Na verdade, não foi isto que ela disse. Ela usou um verbo do calão, mas não o pronunciou de forma rafeira, antes pelo contrário, disse-o com elegância. Foi a impressão com que ele ficou naquele momento. Um verbo foleiro dito com elegância. Só mais tarde, muito mais tarde, compreendeu que ela o tinha dito com religiosidade, como se o ato de fazer amor ordenado a partir daquele verbo constituísse o encontro mais próximo e cristalino com Deus e com todas as formas de sagrado que vivem entre nós.
Ela tirou o vestido e ele reparou que tinha rapado os pelos púbicos, dando ainda maior luminosidade ao seu corpo. Luz da minha vida, pensou ele e o que se seguiu foi sexo puro, a sequência completa e perfeita do sexo, o prazer absoluto, a ausência total de sofrimento e até mesmo de sentimento, como num filme pornográfico de elevada qualidade, o melhor filme pornográfico de sempre. Por fim, adormeceram esgotados e no dia seguinte ela abandonou-o.
O gajo passou os dois anos seguintes sem ter relações sexuais com ninguém. Dois anos, quatro meses e três dias, mais precisamente, até que em 20 de fevereiro de 2010 foi apanhado numa situação deveras lixada, bem lixada, e essa situação mudou-lhe a vida de forma radical…