E porque não?

Cada vez mais se ouve falar da Macaronésia (e, felizmente, não tanto de “Macarronésia”), em conferências discretas, cimeiras internacionais, exposições, artigos científicos ou projectos de intercâmbio cultural, o termo vai-se tornando familiar, quase inevitável. A verdade é que, quanto mais se pronuncia “Macaronésia”, mais ela acontece. É, cada vez mais, uma ideia em marcha, um corpo político-linguístico-cultural, com posicionamento geo-estratégico de relevância, com ambição de se erguer como bloco regional com voz própria.

E porque não, um dia, entoarmos um hino da Macaronésia e celebrarmos um Dia Internacional? Reconhecido e celebrado entre os nossos povos — símbolos de uma identidade plural, mas coesa.

A Macaronésia caminha para uma realidade tangível, funcional, viva. Um espaço de cooperação atlântica exemplar, em que Açores, Madeira, Canárias e Cabo Verde possam operar como vértices de um arquipélago de oportunidades. O Atlântico deixar-se-á vencer pela inteligência cooperativa e pela vontade comum.

Com voos regulares e acessíveis entre os arquipélagos, não estaremos apenas a encurtar distâncias, mas a fundar uma verdadeira cidadania macaronésica, onde a insularidade já não é obstáculo, mas potência.

Depois, a sustentabilidade. O que nos rodeia é o mesmo: mar, vento, sal, rocha e silêncio. Temos desafios ambientais comuns que só podem ser enfrentados com inteligência estratégica e acção coordenada. Porque não fomentar um plano energético comum, baseado em fontes renováveis adaptadas à especificidade de cada ilha? Ou uma rede de investigação oceânica partilhada, que funcione como observatório e laboratório do Atlântico?

No campo do saber, porque não vislumbrar uma Universidade Macaronésica ou até um “Erasmus” macaronésico: descentralizado, transdisciplinar, enraizado na realidade insular, mas com projecção internacional? Que forme professores, alunos, pensadores, líderes, técnicos, artistas — preparados para pensar o Atlântico com a densidade de quem o habita.

No domínio do turismo, porque não um circuito integrado entre os quatro arquipélagos? — com rotas temáticas e uma imagem comum — poderá tornar a Macaronésia um destino atlântico de excelência, conforme tenho já defendido e obtido concordância dos principais operadores turísticos?

É importante recordar que a própria União Europeia já reconhece a Macaronésia como território de cooperação estratégica. Isto legitima e impulsiona uma visão que, outrora sonhada, começa agora a ganhar corpo e pode ir muito mais além.

E porque não até, uma diplomacia regional própria? Não se trata de romper com os Estados a que pertencemos, mas de afirmar uma presença coordenada em espaços multilaterais onde as regiões ultraperiféricas e os pequenos Estados insulares têm muito a dizer. Cultura, turismo, economia azul, literacias oceânicas: há matérias onde a Macaronésia pode falar a uma só voz, com sotaques diversos, mas com uma só intenção.

Ciente de que estas ideias possam parecer etéreas, por vezes até utópicas. Mas é assim que as mudanças acontecem: pela capacidade de imaginar com lucidez, de propor com elegância e de agir com firmeza. Cabe-nos, hoje, lançar as fundações de uma Macaronésia visionária, solidária e consequente, onde cada arquipélago mantém a sua identidade, mas encontra na cooperação um caminho para crescer, proteger-se e florescer.

Esse tempo não está longe. E se o soubermos pronunciar, construir-se-á.

E porque não? Se no final de contas, todos lucraríamos com isso…

Susana Gramilho escreve à segunda-feira, de 4 em 4 semanas.

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