Gratuitidade do transporte público pode ser eficaz a vários níveis

O transporte público gratuito pode ser uma medida eficaz para enfrentar problemas de congestionamento, precariedade social e poluição nas cidades, com reflexos na saúde, defendem investigadores do ISCTE num relatório hoje divulgado.

“O Programa de Mobilidade Gratuita de Cascais gerou um forte aumento na utilização dos transportes públicos. De 19.000 passageiros médios mensais em 2018-2019, passou-se para cerca de 50.000 desde a pandemia”, exemplifica-se no relatório “O Estado da Nação e as Políticas Públicas 2025”, a apresentar hoje.

No capítulo dedicado aos transportes, os investigadores Nuno Bento e João Pereira dão o exemplo pioneiro de Cascais e demonstram que é possível avançar para esta medida sem grande financiamento externo.

“O custo anual deste projeto ronda os 12 milhões de euros, cobertos em larga medida pelas receitas municipais de estacionamento e pelo Imposto Único de Circulação (IUC)”, escrevem, acrescentando que, no ano passado, estas verbas totalizaram mais de 13 milhões de euros e resultaram em excedente orçamental.

O programa, dizem, gerou vários cobenefícios. O consumo de gasóleo dos transportes públicos baixou 12% entre 2019 e 2024, apesar do aumento de passageiros, graças à renovação da frota, que passou a incluir autocarros elétricos ou movidos a hidrogénio.

Simultaneamente, verificou-se uma redução da emissão de partículas PM2.5, “o poluente do ar com maior risco para a saúde”, melhorando a qualidade do ar.

“Estima‑se que, por cada 1% de aumento do transporte público face ao automóvel, a mortalidade associada a PM2.5 (com origem na combustão de energia) desça 0,4%, a fatura energética das famílias baixe 1,2% e a vulnerabilidade a choques de preço e ruturas de abastecimento de energia se reduza em 1,6%”, indicam.

“Consideramos, de facto, que a gratuidade dos transportes públicos e melhorias no serviço aumentam a procura e possibilitam mudanças no comportamento a prazo. Contudo, a gratuitidade, por si só, não trava o aumento do tráfego automóvel”, advogam os autores, recomendando medidas complementares para as áreas urbanas.

A abolição de tarifas de transporte público tem vindo a ganhar atenção junto dos decisores políticos, nacionais e locais, observando‑se “um aumento do número de iniciativas deste tipo, nomeadamente na Polónia, Brasil, EUA, França, Canadá e Suécia”, afirmam.

De acordo com os dados recolhidos, em 2024, mais de 400 projetos locais foram identificados um pouco por todo o globo, particularmente em contextos urbanos de pequena e média dimensão, sendo que sete anos antes esse número não chegava a uma centena.

O Brasil tornou‑se, em 2023, o país com o maior número de cidades a adotar a gratuidade dos transportes (nas suas diferentes categorias), ultrapassando os 100 casos.

Existem ainda países em que a medida foi aplicada a nível nacional, como o Luxemburgo ou Malta.

Os principais argumentos em defesa da gratuitidade dos transportes públicos são a eficiência económica e operacional, a coesão social e redução das desigualdades no acesso à mobilidade e o desenvolvimento sustentável, justificam os investigadores.

O município de Lisboa, um dos exemplos citados, iniciou em julho de 2022 políticas de gratuidade dos transportes dirigidas a pessoas com 65 ou mais anos e a crianças até aos 12 anos, numa primeira fase, que foi posteriormente alargada a estudantes até aos 23 anos.

O trabalho, coordenado pelo presidente do Instituto para as Políticas Públicas e Sociais (IPPS) do ISCTE, Pedro Adão e Silva, é assinado por vários especialistas de diferentes áreas de estudo.

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