Guterres defende que “único caminho possível é o da unidade” nos 80 anos da ONU

O secretário-geral da ONU relembrou hoje o legado dos primeiros funcionários das Nações Unidas, profundamente marcados pela Segunda Guerra Mundial, e defendeu, no 80.º aniversário da organização, que o “único caminho possível” para a humanidade “é o da unidade”.

Na abertura de uma reunião de alto nível para comemorar o 80.º aniversário das Nações Unidas, em Nova Iorque, António Guterres convidou dezenas de chefes de Estado e de Governo presentes no evento a regressar mentalmente aos primeiros dias da ONU, em 1945, quando muitos dos primeiros funcionários da organização apresentavam ainda ferimentos visíveis de guerra, como cicatrizes ou queimaduras.

Uma dessas pessoas era o major Brian Urquhart, a segunda pessoa a ser contratada pela ONU.

Soldado britânico durante a Segunda Guerra Mundial e testemunha da libertação do campo de concentração de Bergen-Belsen, o major esteve num navio que explodiu e carregou, para o resto da vida, a claudicação provocada por um paraquedas que não abriu, contou Guterres.

“Ele não estava sozinho: um escrivão podia mencionar discretamente um ferimento de bala; um delegado, o estilhaço de granada ainda alojado no peito. Tinham visto o pior da humanidade — os horrores dos campos de extermínio, a crueldade do combate, cidades completamente arrasadas. E foi precisamente por causa do que testemunharam que escolheram servir a paz”, disse o líder da ONU.

O antigo primeiro-ministro português avaliou que “existe um mito persistente de que a paz é ingénua, de que a justiça é sentimental, e de que a única política ‘real’ é a política do poder e do interesse próprio”.

“Mas aqueles primeiros funcionários não eram idealistas intocados pela realidade. Tinham visto a guerra. E sabiam: a paz é a busca mais corajosa, mais prática e mais necessária de todas. Ao construir as Nações Unidas, criaram algo extraordinário”, insistiu.

No verão de 1945, após a devastação causada pela Segunda Guerra Mundial, líderes de 50 países reuniram-se em São Francisco, nos Estados Unidos, para assinar um tratado internacional que mantivesse a paz e consagrasse os direitos iguais de todas as pessoas.

A ideia de base é que nunca mais uma guerra dessa magnitude devastaria o mundo.

“Um lugar onde todas as nações — grandes e pequenas — se pudessem unir para resolver problemas que nenhum país consegue resolver sozinho”, disse Guterres.

No entanto, neste momento, os princípios das Nações Unidas “estão sob ataque como nunca antes”, afirmou o secretário-geral, lamentando que enquanto a cerimónia está a decorrer, há civis a serem atacados e “o direito internacional violado”.

A pobreza e a fome estão a aumentar, o progresso em direção aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável está travado, o planeta está num “caos climático” com incêndios, inundações e ondas de calor recorde, enumerou o líder da ONU.

Já sobre os “triunfos da humanidade” alcançados ao longo dos últimos 80 anos de ONU, Guterres apontou para a erradicação da varíola, a regeneração da camada de ozono e, sobretudo, a “prevenção de uma terceira guerra mundial”.

“Os desafios dos próximos 80 anos serão igualmente familiares e inéditos. (…) Mas, para enfrentar estes desafios, lembremo-nos do que os nossos fundadores já sabiam: O único caminho possível é o da unidade”, defendeu.

“Levantemo-nos para este momento — com clareza, coragem e convicção. E vamos concretizar a promessa de paz”, instou António Guterres, numa cerimónia em que a premissa é refletir sobre as conquistas das últimas oito décadas e o caminho a seguir para um sistema multilateral mais inclusivo e reativo, com respostas rápidas e adequadas.

O Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, também marcou presença no evento.

A ONU celebra 80 anos desde que a sua Carta fundadora foi assinada, efeméride que chega durante uma grave crise multidimensional da instituição, que tem em risco a sua influência e orçamento.

Apesar dos esforços de António Guterres para tentar convencer o mundo de que a ONU é hoje mais vital do que nunca, a organização fundada após a Segunda Guerra Mundial tem na atualidade a sua influência desacreditada e o seu pleno funcionamento em risco devido aos cortes de financiamento de nações como os Estados Unidos, país que acolhe a sede da instituição, em Nova Iorque, e o seu maior doador.

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