Lembram-se daqueles tempos em que as ligações telefónicas iam bater a números diferentes dos que tinham sido rodados lentamente nos velhos telefones da mesa da sala?
Quando isso acontecia, diziam-se que eram linhas ou redes trocadas.
Lembram-se quando sintonizávamos uma estação de rádio e, em vez da música pedida do Posto Emissor do Funchal, chegava-nos o som de outra estação, às vezes de Canárias?
Quando isso acontecia, diziam-se que eram linhas ou redes trocadas.
E quando as televisões precisavam daquelas antenas enfiadas em tubos de seis metros, ao lado de casa, que era preciso rodar até apanhar a RTP-Madeira e evitar as interferências de canais espanhóis!
Lembram-se?
Era o tempo das linhas ou redes trocadas.
Esse tempo está de volta, mas agora as redes são ditas sociais. São extensões da nossa vivência individual e coletiva a que cada vez menos resistem. Muitos usam apenas para matar o tempo, alguns para espreitar o que se diz e faz e outros, cada vez mais, para menorizar tudo e todos.
Há perfis especializados na retorcida arte de achincalhar quem trabalha. E há gente disposta e disponível para essa espécie de profissão sem jeito nem carreira reconhecida. Fazem denúncias que não provam, distribuem acusações sem fundamento, tentam denegrir pessoas e instituições – às vezes até conseguem – e derramam veneno e ruído social.
Um aprendiz de psicologia de primeiro ano classificaria essa atuação num quadro de frustração pessoal ou profissional. Ou as duas, ao mesmo tempo.
Um cidadão sem grandes conhecimentos académicos, mas dotado de alguns neurónios, dirá que se trata de um nível grave da doença mais comum na Madeira, a inveja.
Seja qual for o diagnóstico, os cidadãos e as instituições estão cada vez mais sujeitos a ser enrolados nesta máquina de fabricar acusações e difamações.
Em tempo de campanha eleitoral, esta forma de operar ganha ainda mais adeptos, mais entusiastas e até mesmo profissionais encartados nessa carreira estranha com diploma pretensamente inspirado nas cantigas de escárnio e maldizer.
A parte desagradável, ou mesmo perigosa, é a que envolve gente que se diverte com esse fartote criado por corajosos anónimos ou frustrados enraivecidos que se julgam justiceiros e melhores do que todos os outros.
Como é óbvio, quem atua dessa maneira só é melhor do que os outros na arte rasteira de palpitar. Palpitam que o mundo está todo trocado, menos eles, os corajosos anónimos ou os profissionais sem carreira.
Até ao fim da campanha eleitoral ainda muito se vai ouvir neste registo. Quando se junta o desespero de uns e a frustração de outros, aparecem redes incendiadas.
E no meio desse fogo posto, os mais ingénuos, os que leem sem pensar, acabam por se sentir informados.
Na verdade, quem valida, valoriza e partilha as frustrações alheias feitas de acusações e palpites, sem ao menos pensar um pouco, também se arrisca a sofrer dos mesmos males. São as novas vítimas das velhas redes trocadas.