Ele imaginou a miúda a afogar-se no lago e era uma rapariga de dezassete anos que tinha um filho recém-nascido, um bebé com apenas dois meses, cujo pai ninguém sabia quem era, ou melhor, cujo pai toda a gente fingia não saber quem era e pensou que a alma dessa jovem podia ser também a sua alma. Depois, olhou para as pessoas à mesa e sentiu que podia ser qualquer uma delas, cinco almas em si além da sua, e mesmo assim continuaria sem compreender nada e foi então que o gordo de olhos azuis falou:
– Dizem que foi a segunda miúda que ele engravidou.
– A segunda este ano – sublinhou o homem de barba preta e óculos redondos, pondo a mesa a rir outra vez e ele também, pois claro, embora o fizesse à toa, desorientado, sempre a cair no abismo do espírito perdido em África.
– E o bispo não faz nada – disse o gajo de barba preta. – Nem o bispo, nem o superior da congregação, nem eu, nem tu, nem ninguém. É assim que os filhos da puta se safam.
– É verdade – suspirou a mulher baixinha, como se fosse mesmo verdade e depois acendeu um cigarro e mandou parar a conversa, dizendo que falavam de coisas que não interessavam nem ao Menino Jesus e que todos já tinham tempo de vida suficiente em África para saber como funcionavam as coisas. E também disse que não valia a pena criar grandes inimizades com ninguém, porque mais cedo ou mais tarde acabavam todos por precisar uns dos outros, sobretudo em África, sobretudo no mato, e então é que são elas se estivermos de mal com alguém, disse ela.
– É ou não é verdade? – Perguntou, puxando o fumo do cigarro com uma profunda sensualidade, o que incutiu ainda mais encanto às suas admiráveis pernas e foi então que ele decidiu falar:
– África é como um documentário sobre astrofísica.
A mesa ficou um instante em silêncio e depois a mulher baixinha perguntou:
– Como assim?
Ele já se arrependera até ao infinito de ter aberto a boca, mas lá se explicou:
– Ninguém compreende o que se passa aqui cinco minutos depois de aqui estar.
– Não estou a perceber – disse a mulher baixinha, descruzando as pernas de um jeito que lhe pareceu claramente provocatório, demasiado insinuante.
– É como um documentário sobre astrofísica – insistiu. – Na hora em que se vê, tudo nos parece clarinho como água da nascente, parece-nos até uma infantilidade, mas no dia seguinte não somos capazes de explicar nada daquilo, nem sequer o movimento mais simples do universo. A bem dizer, já ninguém sabe ao certo para que lado gira o planeta, se para a esquerda ou para a direita, como se o movimento do planeta não nos dissesse respeito e fosse uma coisa destinada à eterna incompreensão, aos abismos sem fim, aos vãos e aos ocos do tempo. Estão a perceber?
Ele pensou que tinha falado em excesso e sentiu-se envergonhado, mas ninguém reparou nisso.
– Essa é boa! – Disse o tipo enorme que estava sentado entre a negra Inês e o homem de barba preta e óculos redondos e foi a primeira vez que falou, pois até então só tinha rido em altas gargalhadas. A sua voz era potente, imperativa, e ele percebeu imediatamente que o gajo não tinha medo de nada e também compreendeu que não era imbecil, nem alcoólico, nem sequer louco como outros, mas antes um durão, um gajo habituado a cruzar os terrenos incertos do mundo e da humanidade. É por isso que se farta de rir, pensou.
– África é assim mesmo como você diz – afirmou o gigante. – Além disso, está cheia de palermas que lhe sugam o sangue e o tutano e fingem surpresa a cada passo.
A mesa sentiu-se ofendida, até porque ao dizer aquilo fez um amplo gesto com a mão – uma manápula com dedos grossos e compridíssimos, a pele tostada e enrugada – abarcando todos, exceto a negra Inês. Foi como se os metesse a todos, incluindo o próprio, no saco de sugadores de sangue e fingidores de surpresa.
– Pergunte-lhes o que fazem aqui – sugeriu o gigante. – Pergunte-lhes por que estão aqui, por que Diabo aguentam isto. Verá que nenhum lhe dará a resposta certa, muito menos a resposta verdadeira.
Após um breve silêncio, a mulher baixinha entrou em ação, agastada:
– E tu, estás a fazer o quê aqui?
– Pois estou a chupar o tutano desta gente e a fingir-me surpreendido com tudo – respondeu o gigante, cínico e divertido.
(Continua…)