A biblioteca de setembro

Se cada mês fosse uma biblioteca, setembro teria prateleiras de madeira ainda com cheiro a sol, mas já com a promessa do frio a assentar nos cantos. Haveria livros com areia entre as páginas, herança dos dias de praia, e outros ainda por abrir, guardados para noites mais longas.

Em setembro não consigo ler tanto quanto gostaria, porque é um mês de conclusão de projetos e início de outros; de preparação do novo ano letivo; de organização, método e responsabilidade. Por isso, neste mês, a estante pode ser feita de começos interrompidos, de romances iniciados em julho e abandonados no calor, diários onde a mão parou em agosto, cadernos por preencher. Setembro devolve-nos a essa tarefa de retomar o fio, de reencontrar o marcador esquecido entre as páginas. Não adoro setembro e, por isso, agarro-me a eles, sempre a eles, aos livros. Às estórias, às gentes que podiam ter o nosso nome, às narrativas que trazem espelho e esperança, reflexão e diálogo.

Na biblioteca de setembro há, ainda, livros de capa dura, com o peso dos recomeços. E manuais novos, ainda com cheiro a tinta fresca, cadernos que pedem letra redonda na primeira linha. Entre eles escondem-se poemas que não obedecem a horários, contos que nos ensinam que aprender é também desaprender.

Talvez setembro seja essa prateleira intermédia: nem tão leve como antes, nem tão grave como depois. Um lugar de transição onde repousam os livros que falam de pontes, travessias, partidas e regressos. E quem entra nessa biblioteca descobre que setembro é, afinal, uma história dentro de outras histórias, todas à espera de quem se senta para ler.

Na minha biblioteca de setembro tenho, sobretudo, literatura feita em português. Deixo, então, essas sugestões, livros acabadinhos de sair, para tardes que ainda pedem uma esplanada ou noites que já aceitam um chá. A escritora e ativista literária Helena Magalhães regressa às estantes, desta vez pela ASA (Grupo LeYa), com “Atos de Desobediência”, um livro que «explora a intimidade feminina, as relações entre mulheres e homens, entre gerações e classes sociais, numa celebração tão apaixonada quanto crítica da literatura e da arte». “As últimas linhas destas mãos”, de Susana Amaro Velho, é reeditado pela Casa das Letras (Grupo LeYa), reafirmando o talento da autora no mercado literário português. Ângelo Fernandes estreia-se na ficção com “Neblina” (Oficina das Letras/Grupo LeYa), «um romance cru e perturbador sobre as sombras que nos habitam, os pactos de silêncio e o preço atroz de enterrar uma verdade que, finalmente, se recusa a ficar calada». Finalmente, Álvaro Cúria traz-nos “No Brasil não há leões” (Manuscrito Editora/Grupo Editorial Presença). Valter Hugo Mãe descreve-o da seguinte forma «O Álvaro Curia confirma a maravilha de sua presença nas novas letras portuguesas. Linguagem e imaginação, profundidade e intensidade. Todas as gerações se garantem com autores assim». Contemporâneos maravilhosos! Autoras e autores que transportam para o papel não apenas o talento que os caracteriza, mas sobretudo o trabalho, a perseverança e o amor às letras.

Desejo-vos um setembro capaz de curar, seja através dos livros, de outras formas de arte, das pessoas que vos enchem o peito ou dos sonhos que vos habitam.

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