O triunfo dos porcos

Foi ainda durante a segunda guerra mundial que George Orwell escreveu e publicou o que viria a ser considerado um dos maiores romances do século XX. Uma fábula em que os animais encenam uma alegoria à revolução soviética. Obra absolutamente magistral (a de Orwell, não a de Estaline), que mesmo passados tantos anos, ainda é actual. A história é simples, expõe a subversão dos ideais revolucionários comunistas, mas que se aplica a toda e qualquer espécie de modelo político ou social quando confrontado com a avidez humana, ou melhor, com a própria natureza humana.

Após anos a serem explorados, os animais da quinta (outro título para o mesmo romance) revoltam-se com determinação e violência. O agricultor que os subjugava é expulso, triunfa a rebelião liderada pelos porcos e instala-se uma nova ordem: “Todos os animais são iguais…”. Com os humanos fora de cena, os animais organizam-se. Porcos, cães, cavalos, ovelhas e galinhas vivem durante um breve período uma utopia de fraternidade e igualdade. Mas cedo começam as intrigas, a organização social deteriora-se, nasce uma nova ordem na quinta, e com ela uma adenda ao mandamento original: “… mas alguns animais são mais iguais do que outros.”

Para um leitor atento, a sátira é mordaz, para um leitor mais virado para as esquerdas revolucionárias, é blasfémia pura…claro. Mas temos de ter em conta que a forma como está escrita, a história põe em crise todo e qualquer sistema mais ou menos democrático desde que a cupidez humana abra caminho à inteligência suína, e isto, infelizmente, é cada vez mais frequente. Veja-se por exemplo o que acontece nas ditas redes sociais, se as encararmos como a quinta, há muito tempo que os animais expulsaram o proprietário e gerem a quinta à sua maneira, mas em vez dos porcos andarem nas duas patas traseiras como no final da história de Orwell… escrevem no teclado com as duas patas dianteiras.

Na minha opinião o que se passa actualmente em algumas rede sociais e congéneres é absolutamente grotesco, a vara tomou de assalto as secções dos comentários e transformou o que seria um sítio cuidado e apresentável (a quinta), num autêntico chiqueiro. Neste submundo, sombrio, ressentido e fanático, as preleções são a maioria das vezes autênticas cantigas desafinadas de escárnio e maldizer, mas sem qualquer réstia de humor ou de inteligência. O português é tratado com os pés, os coices na gramática são uma constante, e os erros “ortopédicos” um lugar-comum. Mas pior que a forma é o conteúdo, no chafurdar frenético no teclado, esta malta não consegue transmitir uma ideia, um pensamento que seja. O devido respeito foi substituído pelo colectivo despeito, do que não conhecem, não sabem e não entendem, mas não gostam, odeiam e abominam e não estão sozinhos, e eles são muitos e ruidosos. É costume dizer que a ignorância é atrevida, e é de facto, mas se tiver WiFi e um smartphone por perto, além de atrevida é absolutamente insolente e mentirosa, e pior, tem “likes”, tem muitos “likes”.

Já que estamos imersos neste universo orwelliano, que para além de poético era também profético, veja-se por exemplo o “Mil novecentos e oitenta e quatro”, recordo uma das suas afirmações, retirada de uma introdução não impressa de “O Triunfo dos Porcos”, descoberta em 1972: “Se a liberdade significa alguma coisa, significa o direito de dizer às pessoas o que elas não querem ouvir”. A citação enfatiza que a verdadeira liberdade, particularmente a liberdade de expressão, requer a capacidade de expressar ideias impopulares ou indesejáveis, mesmo que elas encontrem resistência ou discordância, e é precisamente o que estou a tentar fazer. Mas atenção, não comparem liberdade de expressão, com liberdade de excreção, é que não é a mesma coisa, são liberdades diametralmente opostas. A última, a liberdade das redes e dos fóruns de gente com pouco para fazer, atinge proporções de libertinagem e de autêntica pilhagem, pilhagem da inteligência e da decência da sociedade, que somos todos nós… ou melhor, quase todos nós.

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