Limpar Portugal

Mais uma silly season e os temas não fogem muito aos do ano passado. É agosto e o país volta a ser assolado por incêndios, pessoas a perder casas, animais deixados para trás, bombeiros exaustos, serras devastadas e governantes em festas. Desta vez não foi o Presidente do Governo Regional da Madeira a apanhar banhos de sol enquanto a Madeira ardia, mas sim Luís Montenegro, que não considerou relevante interromper férias ou festividades para estar ao lado das pessoas num dos momentos mais difíceis das suas vidas. E sobre Montenegro há muito a dizer, e não surpreende o ar altivo, a arrogância nas palavras e o desprezo pela dor alheia. Do alto do seu privilégio e dos que nos governam, há tudo menos empatia, sentido de terreno e vontade de ouvir e apoiar. E não é só nos incêndios — vejamos a trapalhada nas alterações à lei laboral e à educação. Parece que o slogan “Deixem o Luís trabalhar” devia ser “Deixem o Luís atrapalhar”, porque é isso que tem feito à vida de quem se esforça diariamente por sobreviver neste país.

O mundo está a ser influenciado por movimentos extremistas, de pessoas ignorantes, que criticam tudo e todos, que berram nos microfones meias-verdades, que baseiam as suas medidas em casos pontuais e que por muito que apregoem o “Deus, Pátria, Família”, o único que lhes interessa é o seu próprio umbigo. Pessoas de fato e gravata que usam o poder ora para se vitimizar ora para se mostrar superiores, ocupam a casa da democracia e os canais públicos e privados para omitir factos e iludir meio país cansado de trabalhar sem ver melhorias. Estamos todos exaustos, mas a culpa é das leis laborais rígidas que ainda persistem no nosso país, dos horários de 35h a 40h semanais sem retorno, dos turnos, dos dois empregos, dos feriados abdicados, dos fins-de-semana inexistentes — e no fim do mês, nem a renda se consegue pagar.

A culpa não é da mãe que amamenta até aos 2 anos, nem da redução de horário atribuída aos pais. Não é dos imigrantes que vêm contribuir para a economia, natalidade e colmatar a falta de mão de obra existente. Não é de quem cresceu num contexto difícil e depende do rendimento social de inserção para ter o que comer. Não é dos pensionistas que recebem pouco mais de 300€ como se fosse um “benefício” por terem ficado doentes e com uma incapacidade para o resto da vida. Não é das mulheres que têm direito ao luto gestacional nem dos homens que também precisam de tempo para assimilar tamanha perda. Não é do aumento das baixas médicas porque estamos todos em burnout.

A culpa é de quem nos governa sem visão, sem estratégia, sem planeamento. Das chefias escolhidas por amiguismo e não por competência. Dos empregadores que só pensam no lucro e nunca no bem-estar. Da falta de estudos e da inflexibilidade da população que por desconhecimento de outras realidades, não consegue ver que produtividade não tem a ver com quantidade de horas de trabalho. De quem prefere discutir o sexo dos anjos em vez de melhorar a educação. De quem prefere usar o termo “Woke” como se fosse uma praga, em vez de assumir que precisamos de evoluir enquanto seres humanos nas questões de identidade e sexualidade, mas também nas questões de liderança. A culpa é nossa, que estamos tão cansados que já não vemos mais além. Que não escolhemos líderes, mas que nos conformamos a votar em pessoas indiferentes às dificuldades diárias ou em quem grita que vai limpar Portugal, mas só tem limpo os Portugueses — de inteligência, da crítica construtiva, tolerância, respeito e empatia.

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