A linguagem nunca é neutra

De vez em quando surgem nas redes sociais imagens reais e chocantes de mais um agressor a usar a força bruta e o assunto volta à baila: a violência contra as mulheres é terrível! Elas sofrem danos para toda a vida e o impacto de ver o pai agredir a mãe tem consequências dramáticas no futuro das crianças!

Tudo verdade, mas tão sem vontade de resolver mesmo o problema!

Gostaria de chamar a atenção para algo que pode parecer de pormenor, mas que considero importante: começa logo pela designação de “violência contra as mulheres”. Ao usar-se esta terminologia há alguém que fica sempre invisível. Quem agride. Nunca se coloca o foco no número de homens que são violentos com as suas companheiras ou que as matam. Por alturas do 8 de março ou do 25 de novembro são publicados os números de mulheres agredidas no ano anterior. O olhar concentra-se nelas e não no número de agressores que pratica a violência. Ou seja, desloca-se o foco do agressor para a vítima, fazendo parecer que a agressão contra as mulheres é uma coisa má que lhes acontece com muita frequência por serem mulheres. Parece a história de elas terem chocado com um punho fechado, com uma mesa, com uma faca… O agente ativo da agressão fica fora do retrato. Invisível.

A linguagem nunca é neutra.

Se repararem, acontece o mesmo com o número de mulheres assediadas nas ruas, no trabalho, nas festas ou casos de mulheres cuja intimidade é devassada e divulgada nas redes sociais. Os números concentram-se sempre nelas. Quem assedia ou devassa fica na obscuridade.

Critica-se o número de adolescentes que, no séc. XXI, ainda ficam grávidas nessa fase da vida, mas apaga-se o facto de serem precisos rapazes para que isso aconteça. Continua a passar-se a ideia de que são coisas que lhes acontecem. É quase uma fatalidade. O foco está sempre nelas. A culpa também.

Elas põem-se a jeito, ouvimos. Seja porque foram violadas, “Claro, levavam uma minissaia!” Seja porque aceitaram fazer um vídeo com o seu companheiro em quem depositavam absoluta confiança, nunca pensando que essa pessoa fosse capaz de o divulgar por raiva ou puro gozo. Seja porque são “mães solteiras” (Já ouviram notícias a chamar a atenção para os “pais ausentes”?) Seja porque tinham uma relação com outro homem. “Ela estava a pedi-las”. A posse da mulher pelo homem é algo que muitos homens e algumas mulheres ainda acham natural e a desresponsabilização de rapazes e homens continua a ser comum nos dias de hoje. Colocar o foco nos agressores é uma necessidade, para que se possa atuar junto deles, não penalizando ainda mais as vítimas.

Tudo é política. A forma como pensamos e atuamos faz parte de um posicionamento político. As medidas implementadas pelos governos refletem um quadro e uma ação com pensamento político.

Numa sociedade desenvolvida, as pessoas escolhidas para governar um país deveriam ser as que não usam a violência ou o ódio como forma de estruturar o poder. Deveriam promover a inteligência, a empatia e a gentileza para construir um mundo mais justo e igual em termos de oportunidades e direitos.

Essa escolha ainda está nas nossas mãos, com o poder do voto. Usá-lo como vingança contra outros que consideramos que nos vão tirar lugares ou poder é típico de quem ainda não saiu da lei da selva ou dos tempos primitivos.

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