Quando soube que ia para a Bolívia trabalhar, a primeira coisa de que me alertaram foi: “cuidado com o mal de altura!” O mal de altura, conhecido como Soroche na América Latina, é causado pela baixa quantidade de oxigénio em grandes altitudes (acima de 2.500 m). Os sintomas mais comuns incluem dor de cabeça, náuseas, tontura, fadiga e insónia. Nos casos graves, pode provocar edema cerebral ou pulmonar, exigindo descida imediata. Quando estive no Peru, um colega quase morreu de edema pulmonar. Sendo uma reação imprevisível do corpo, que não depende da forma física, idade ou experiência, mas sobretudo da capacidade individual de aclimatação, sentia-me naturalmente apreensivo, pois nunca tinha estado acima dos 2.600 m.
No aeroporto de La Paz, a capital boliviana, situada a 4.100 m, há garrafas de oxigénio e cadeiras de rodas para pessoas que desmaiam nas filas do passaporte. Aterrei de madrugada, com um frio cortante, e já na manga do avião senti um ligeiro estonteamento, pelo que imediatamente reduzi o ritmo. Mas, a partir daí, tudo correu bem. À saída, um colega boliviano recebeu-me com a hospitalidade e amabilidade típicas do país, oferecendo um chá de coca. As folhas e o chá de coca (não confundir com cocaína, que é produzida quimicamente a partir das folhas) são usados tradicionalmente para ajudar contra o mal de altitude, pois contêm alcaloides que estimulam ligeiramente o sistema nervoso, melhoram a oxigenação dos tecidos e reduzem a fadiga e a dor de cabeça. Aliás, na cultura boliviana o chá de coca é remédio para muitos males.
O trajecto do aeroporto até ao centro de La Paz foi inesquecível. O dia nascia, e no horizonte as montanhas gigantes da Cordilheira dos Andes surgiam cobertas de neve, com nuvens baixas que criavam cores extraordinárias. Há países assim: que desde o primeiro momento nos cativam e arrebatam, pelos quais acabamos por nos apaixonar.
Já trabalhei em vários países da América do Sul, mas considero a Bolívia um lugar único, com identidade muito própria. Começo por La Paz, a capital mais alta do planeta. Não possui um património arquitetónico ímpar, mas desafia as convenções, erguendo-se entre montanhas que tocam o céu. Aninhada num imenso vale andino, a sua geografia dramática é ao mesmo tempo cenário e protagonista — uma tapeçaria viva de encostas íngremes, ravinas profundas e horizontes arrebatadores. O imponente Illimani, com as suas neves eternas, vigia a cidade com uma presença quase mítica, enquanto o tom ocre e vermelho das montanhas abraçam La Paz, contrastando com o céu límpido e altíssimo.
Sendo o país da América com a maior população indígena — cerca de 60% — a presença destes povos está em todos os cantos, com traços fisionómicos característicos e vestes tradicionais, convivendo com mestiços e minorias de origem europeia. Os traços físicos da população indígena lembram os asiáticos, reflexo das antigas migrações humanas que atravessaram o estreito de Bering há milhares de anos, quando Ásia e América estavam ligadas por terra no norte. São vestígios vivos de uma ancestralidade comum.
A Bolívia é rica em recursos naturais, sobretudo gás natural, lítio e minerais, mas continua a ser um dos países mais pobres da região devido a desigualdades históricas e à instabilidade política frequente. Atualmente atravessa uma profunda crise económica e financeira, com hiperinflação, escassez de combustível e de produtos básicos como farinha e óleo. É comum esperar oito horas para abastecer gasolina. Esta situação resulta da dependência excessiva das exportações de gás e de políticas desastrosas de governos socialistas. Após mais de 20 anos de governação socialista, nas recentes eleições os candidatos do partido foram literalmente varridos, com resultados catastróficos, a lembrar o que aconteceu ao Partido Socialista em Portugal.
Viver acima dos 4.000 metros é mais do que lidar com o mal de altura: é adaptar-se a um ambiente exigente e, ao mesmo tempo, compreender as contradições de um país rico em recursos mas marcado por desigualdades e instabilidade. A Bolívia impressiona pela sua geografia extrema, mas também pela resiliência e autenticidade da sua população, que enfrenta no dia a dia tanto os desafios naturais como os políticos e económicos.