Ainda estamos em pleno verão. O sol continua a iluminar os dias com intensidade, a brisa quente sopra pelas veredas e o verde das nossas montanhas parece manter intacta a sua força. Mas quem vive e sente a floresta sabe que, por entre este cenário, já se escondem sinais de mudança. O outono aproxima-se devagar, anunciando-se no ar mais fresco ao amanhecer, nos dias a minguar, e na presença discreta dos primeiros frutos e produtos que marcam a nova estação.
O verão é sempre um tempo intenso para as nossas florestas. Menos chuva, temperaturas mais altas, risco maior de incêndios e uma maior afluência de visitantes que exigem resistência e equilíbrio aos ecossistemas, bem como uma vigilância apertada e atenta. É um período em que a floresta se mantém firme, conservando a sua vitalidade apesar das exigências da estação. É essa importante resiliência (se não existirem fatores perturbadores como os incêndios), que nos permite entrar no outono com abundância, oferecendo a floresta alguns dos seus tesouros mais emblemáticos.
São exemplos desses tesouros as nozes, as castanhas ou o mel. Quem nunca provou uma castanha assada numa tarde fresca de outono, sentindo o calor a aquecer as mãos e o aroma a invadir o ar? Ou partido uma noz, apreciando a simplicidade e a riqueza do seu sabor? Ou ainda, mergulhado o olhar no âmbar dourado do mel, sabendo que cada gota encerra o trabalho incansável das abelhas e a pureza da nossa flora? Se acrescentarmos a estes produtos a recolha da feiteira que em muitos locais da ilha se verifica para a cama do gado, ou a recolha da aromática baga de uveira da serra e das amoras silvestres para a confeção dos típicos doces silvestres. A estes podemos ainda acrescentar a recolha baga de louro para a extração do trabalhoso e demorado azeite de louro que tantas propriedades medicinais encerra em si.
Estes produtos são mais do que alimento ou medicamentos recolhidos da floresta — são pedaços de história, cultura e identidade de um povo.
O outono na Madeira é também tempo de festa. A Festa do Vinho, celebrada um pouco por toda a região, enche ruas e adegas de aromas e sons que evocam séculos de tradição. A vindima, com as suas cores e sabores, é uma celebração coletiva do trabalho da terra e um momento de união entre famílias, vizinhos e visitantes. É impossível não sentir que, tal como nas vinhas, também nas nossas florestas cada fruto colhido, cada produto recolhido é resultado de dedicação, paciência e respeito pelo ciclo natural.
Preservar a floresta é também preservar estas tradições. Cada colheita representa meses de cuidado, de atenção à terra e de respeito pelos ritmos da natureza. É por isso que, no Instituto das Florestas e Conservação da Natureza, IP-RAM (IFCN), olhamos para a gestão florestal de forma integrada: não apenas como uma tarefa de conservação, mas como uma responsabilidade que envolve comunidades, economia local e a transmissão de um legado cultural, permitindo às populações locais a utilização equilibrada e respeitada da floresta.
Ao escolhermos produtos locais e sustentáveis, estamos a apoiar diretamente quem vive e trabalha em harmonia com a natureza. Estamos a contribuir para que estas paisagens continuem a ser férteis, para que as abelhas encontrem flores saudáveis, para que as árvores possam oferecer-nos frutos de qualidade ano após ano. E, acima de tudo, estamos a reforçar o elo entre nós e a terra.
O outono é, uma estação especial. É um tempo de colheita, mas também de reflexão. É quando percebemos que a floresta não nos oferece apenas sombra, oxigénio e beleza — oferece-nos também alimento, sustento e identidade. É quando compreendemos que cuidar da natureza é, no fundo, cuidar de nós próprios.
Por isso, deixo-lhe um convite: no início do outono, mais do que os frutos da estação, saboreie a ligação profunda que une a nossa gente às nossas florestas. Caminhe pelos trilhos, observe as folhas a mudar de cor, sinta os cheiros característicos da época, visite as nossas festas e converse com quem trabalha a terra. Porque a verdadeira riqueza do outono está nesta relação viva entre pessoas e natureza — uma relação que todos temos o dever de proteger e fortalecer.