Lembram-se daqueles domingos de verão feitos de dias grandes, preenchidos com almoços caseiros em família, tardes de conversas longas e biscas com sinais escondidos?
Já não existem.
Primeiro, perderam-se as famílias grandes.
Depois, acabaram-se os domingos livres.
Pelo caminho, trocaram-se as galinhas caseiras pelas pizzas familiares e pratos do dia.
A seguir, foram-se as conversas longas, substituídas pelas mensagens curtas ao telemóvel.
E a bisca deixou de ser um jogo de família para ser uma memória. Coisa de cotas.
Os novos domingos são diferentes.
São tão agitados como os dias de semana. Tão agitados que deviam passar a chamar-se domingo-feira, assim como um dia de mercado bastante movimentado.
Os novos domingos são cheios de gente nos centros comerciais. Ainda mais ocupados nos supermercados, restaurantes, bares e padarias. E igualmente preenchidos nas veredas e praias.
São dias repletos de carros espalhados pelos principais pontos de interesse turístico. Sobretudo carros da ‘marca’ rent-a-car.
Os novos domingos sempre foram dias de trabalho árduo em tudo o que é estabelecimento aberto ao público, sobretudo na restauração. A diferença é que, agora, todos os dias parecem domingos.
E até aos domingos andamos todos com pressa. Na via rápida, nas estradas regionais ou municipais, temos pressa. As buzinas e os piscas são usados como nunca! E os insistentes sinais de luzes ajudam a afastar quem vai à frente. Até parece que agora todos tiraram carta de condução agressiva!
Lembram-se dos chamados ‘condutores domingueiros’?
São uma espécie em vias de extinção.
E aumenta a pressão ao volante ao mesmo ritmo que diminui a nossa capacidade de tolerância na estrada. São cada vez menos os que dão passagem e cada vez mais os que cumprimentam com o dedo do meio.
Este é um retrato possível de um novo domingo normal. Mas o movimento crescente que se vem notando nos últimos anos – e particularmente nos últimos meses, sobretudo nas zonas e estradas rurais – deixou de ser apenas ao domingo. Esse movimento é agora todos os dias da semana.
Todos os dias parecem domingos modernos.
E chegámos ao tempo em que ainda muito se fala em crise ao mesmo tempo que se notam enchentes generalizadas em tudo o que são lugares e eventos públicos.
As multidões que percorrem a ilha entre arraiais e festivais são a prova de que se alteraram prioridades. Que há mudança significativa na nossa organização social. Há mais oferta e mais procura. Há mais gente e mais impaciência.
Talvez seja das alterações climáticas, que nos trazem com humores igualmente alterados e pouco dados a simpatias.
Pode ser da crise que se nota na habitação, como se fosse agora descoberto um segredo.
Também pode ser da agenda política, feita de eleições sucessivas nos últimos dois anos e meio. São campanhas em cima de campanhas e dias de reflexão e dias de votos e tomadas de posse e mais eleições e campanhas e dias de reflexão e dias de voto e tomadas de posse… E o ciclo continua até janeiro.
Essa agenda é propícia a discursos mais acesos e a posições mais crispadas. E depois há as greves e os ensaios de manifestações.
Este ambiente pouco saudável faz-nos pessoas diferentes. Menos disponíveis, mais ariscas e aceleradas todos os dias, incluindo o novo normal dos domingos modernos que marcam o ritmo voraz da semana inteira.
Bom domingo. Sem feira.