Estes dias de verão trazem sempre deliciosos insólitos. As nossas figuras públicas que já nos habituaram a estar na praia enquanto o país arde, Montenegro mantém a tradição. Também o que é que uma pessoa pode fazer para ajudar os bombeiros e tantas outras pessoas exaustas da luta contra as chamas? O melhor é mesmo descansar na praia. E para as pessoas que ficaram sem casa no centro norte do país? E a solução para evitar que todos os anos se repita a mesma tristeza? Para uma delas deve ser o futuro arrefecimento global, para a outra é concorrer à fórmula 1. Não tenho bem a certeza de qual é a solução para quem… mas o mais insólito foi ter lido este ano que seria quase impossível repetir um GP F1 em PT – https://www.theportugalnews.com/news/2025-01-14/portugal-unlikely-to-host-formula-1-again/94873 e depois receber a notícia no meio de mais um inferno de incêndios. Obviamente que traz interesse ao país, mas não traz soluções a quem precisa delas.
Os políticos parecem muito preocupados com o crescimento da extrema-direita e depois fazem destas… esquecem-se que o seu trabalho não tira férias e não, não é igual aos outros cidadãos. Pode tirar férias quando deixar de ser primeiro-ministro, com certeza terá dinheiro e tempo. Tenho poucas certezas sobre como ser um bom chefe, mas uma delas é estar nas trincheiras. Mesmo que não queira ficar com cinzas nas unhas, estar presente é importante.
Mas o insólito que mais me inquietou nos últimos dias e que tenho a obrigação profissional de comentar foi o de um profissional de saúde mental que defendeu na comunicação social o castigo aos pais que permitam que os filhos bebam nos bares quando saem de casa. Para quem não sabe, as mães foram culpadas durante décadas da esquizofrenia dos filhos. Um movimento estigmatizante e pouco científico, que destruiu imensas mulheres e famílias. Atualmente é crime capital em saúde mental criminalizar pessoas com adições, tal como o é culpar os pais pelo que acontece fora de casa. Já em casa é difícil, mas então fora de casa…
Analise-se o seguinte. Se os pais são culpados pelos consumos dos filhos e têm de ser penalizados, também os comportamentos dos pais são resultado dos seus pais, e dos pais dos pais… e acabamos a desenterrar ossos para pôr nas prisões, porque todos os males dos vivos, derivam daqueles que já morreram.
Estas palavras são um enorme retrocesso. Sem qualquer evidência científica, sem bom-senso. Passemos da culpa à compreensão e depois à acção.
Eu concordo que todas as gerações têm responsabilidade, mas também todas as áreas da sociedade. Em relação ao álcool é impossível realizar prevenção, porque é cultural. Somos cegos a guiar cegos. Precisamos tratar a sociedade e não apenas o indivíduo. O objetivo é ajudar as famílias, não retirar crianças e prender os pais. Quem trata estes jovens sabe que não se pode desprezar as famílias desta forma. Precisamos das famílias para ajudar os jovens. Filhos que chegam bêbados à escola é uma coisa. Filhos que bebem em bares, em convívios sociais e nos arraiais é outra. Culpem o governo, que fomenta o crescimento dos arrais e não os pais. É responsabilidade do governo licenciar, regular e fiscalizar o consumo de álcool em estabelecimentos de venda ao público. Mas não se pode dizer nada contra a instituição, sem arriscar o céu cair nas nossas cabeças. Tenho pena de sentir que não tenho verdadeira liberdade para escrever, mas tenho ainda mais pena de quem nem sequer tem liberdade para pensar fora da instituição.