A seis de agosto, completaram-se oitenta anos sobre o bombardeamento de Hiroxima. Oitenta mil almas tiveram morte imediata e o dobro desse número nos dias subsequentes. Três dias depois, nova bomba é lançada sobre Nagasáqui. Dessa vez, foram trinta e nove mil mortos, no momento, já que condições meteorológicas adversas evitaram que a mortandade fosse maior. Assim terminava a II grande guerra mundial.
Na minha adolescência, à medida que lia sobre os horrores da guerra, questionava-me como fora possível que tudo aquilo tivesse acontecido. Procurei justificações, a principal das quais a falta de informação. Na época, os jornais demoravam a chegar, as rádios funcionavam de forma precária e lugares havia onde nenhum deles chegava. Os repórteres eram poucos e conseguir uma imagem era custoso, pelos meios que exigia. No tempo da grande guerra europeia, foi possível esconder das populações os campos de concentração e o que lá se praticava. A descoberta de tanta crueldade e destruição, rematadas com a brutalidade das bombas atómicas, emudeceu e atemorizou de tal forma o mundo que a paz começou a ser um desejo generalizado. Com esse sentir se concretizou a ONU e lançaram as bases para a união da Europa e eu, ao longo da minha vida adulta, acreditei que atrocidades semelhantes jamais se repetiriam. Estava errada.
Hoje a comunicação é constante e quase em simultâneo com o acontecimento e, no entanto, ainda que as imagens de horror nos cheguem a toda a hora, tal não contribui para a alteração das circunstâncias. Pelo menos, não com a eficácia desejável. Quem se preocupa sente-se esmagado pela impotência para mudar seja o que for. Por isso muitos optam pelo distanciamento e não querem olhar porque sofrem, ou porque de tanto olhar se tornaram indiferentes.
Os noticiários, cuja função seria informar o que de positivo e negativo acontece no país e no mundo, transformaram-se numa colagem de imagens desconexas, alternando reportagens de horror com outras de divertimento, gastronomia e trivialidades várias. A visão de figuras esfomeadas e estropiadas da guerra são de imediato apagadas da mente do espetador e substituídas pela do jornalista deliciando-se em mesas fartas, ou deambulando em ambientes festivaleiros. Para agravar a situação, factos, boatos e mentiras circulam em roda livre, levando à construção de realidades paralelas, sustentadas pelo algoritmo que vai alimentando as apetências de cada um numa ou noutra direção.
Em todos os aspetos, as convicções dúplices abundam: os que defendem um lado ou o outro dos conflitos; os que desejam as vacinas e os que as repudiam; os que defendem a urgência do armamento global e os que o abominam; os que rejeitam as alterações climáticas e os que acreditam nelas; e, de entre estes, ainda temos os que as temem e os que vislumbram os lucros que a exploração das zonas de degelo lhes trarão. Para todos, existe informação a solidificar-lhes as crenças que transformam em certezas, mesmo que os factos as contradigam.
Vivemos tempos difíceis. O mundo oscila, suspenso de um fio frágil, agitado por dirigentes que acreditam garantir a paz, escudando-se numa ‘estratégia de destruição mutuamente assegurada’ — se um for atingido, há um dispositivo eletrónico programado para, em poucos segundos, retaliar sobre o adversário. Ninguém ficará para cantar a sua glória.
Será mesmo esta a garantia de que nenhum deles ousará disparar?