O Espírito dos Tempos

OBAMA 2012

Em 2012, Obama enfrentava problemas que dificultavam a sua reeleição. O entusiasmo dos americanos esfriava, a economia recuperava devagar e o país mantinha-se atolado no Iraque e no Afeganistão. O Messias democrata corria o risco de passar à história mais rapidamente do que pensava.

Felizmente para ele, duas coisas importantes jogavam a seu favor: a força da sua imagem na Internet e o duo de pessoas que o levara em 2008 à Casa Branca — Jim Messina, responsável pela campanha digital, e Eric Schmidt, o homem que transformara a Google de Larry Page e Sergey Brin no gigante que é hoje. A estes dois homens coube a missão, pela segunda vez, de (re)colocar Obama na Casa Branca.

E fizeram-no urdindo uma estratégia que mudaria, novamente, o paradigma comunicacional. Se, em 2008, a Internet fora usada como meio de difundir uma mensagem (o “Yes, We Can”), em 2012 teria de ser algo que implicasse olhar para a frente – “Forward” seria o mote escolhido, por razões óbvias. Nascia o projeto Narval, nome de uma baleia com ar de unicórnio e que emerge para assustar os adversários.

Durante meses — 14 horas por dia, seis dias por semana —, cerca de 100 engenheiros, recrutados da Google, Twitter e Facebook, fizeram o monstro crescer. O objetivo era conhecer cada um dos eleitores e o Narval foi tão eficaz que os estrategas conseguiram identificá-los em cada circunscrição, apesar do voto ser secreto. Catalogaram-nos então numa escala de 0 a 100: 0 para republicanos, 100 para eleitores de Obama. Bastava concentrar os esforços nos que oscilavam entre os 45 e os 55 pontos residentes nos Estados decisivos. A Internet segmentava e tornava cada eleitor único, dando início a uma era baseada em software e algoritmos. Para Schmidt, foi um passeio no parque. Os louros chegaram na noite da reeleição: Obama obteve 51% dos votos — menos 3,5 milhões de votos que em 2008 — mas venceu Mitt Romney em 8 dos 9 Estados considerados decisivos. Foi suficiente. A estratégia resultou.

TRUMP 2016

Em 2016, Trump, o multimilionário ex-apresentador, abalou o mundo ao derrotar Hillary Clinton. O feito dependeu de duas figuras. Do próprio Trump, um narcisista desbocado, camaleão político sem papas na língua e que se identificava com os “descamisados” e o “lixo branco”. E de Steve Bannon, o homem que orquestrou tudo. O caminho foi de sentido único: narrativas conspiratórias, com e sem fundamento, usando preceitos maniqueístas e alimentando a fúria contra as elites, ao mesmo tempo que mobilizava legiões de fanáticos para difundir a mensagem e atacar os inimigos. A campanha “Make America Great Again” lançou quase 6 milhões de mensagens digitais diferentes, contra menos de 70 mil da campanha de Hillary.

O efeito foi arrasador. As mensagens tocavam nos pontos certos, fruto da tentativa e erro e de dados acumulados, sobretudo pelo Facebook e trabalhados pela Cambridge Analytica. A onda crescia, apesar de as sondagens preverem a derrota. Mas para além de mobilizar quem interessava, por que não tentar desmobilizar quem não interessava? Um voto a menos no inimigo é sempre um voto a menos no inimigo.

Com argúcia, Steve Bannon percebeu o novo filão de oportunidades e escolheu três grupos para lançar os iscos. O primeiro grupo era o dos radicais que votaram em Bernie Sanders nas primárias democratas e que foi bombardeado com mensagens sobre os esquemas da Fundação Clinton. O segundo era o das mulheres jovens de esquerda a quem se relembrou os escândalos sexuais e a misoginia de Clinton. O terceiro era o dos negros pobres dos subúrbios, um grupo rememorado com os cortes sociais da presidência de Bill Clinton.

A mobilização de uns e desmobilização de outros surtiu efeito. Apesar de Hillary Clinton ter obtido 66 milhões de votos e Donald Trump apenas 63 milhões, este último venceu nos Estados que vacilavam, acumulando 304 dos 538 votos do Colégio Eleitoral. Foi suficiente. A estratégia resultou.

Melvin Kranzberg afirmou-o na sua primeira lei da Tecnologia: “A tecnologia não é boa, nem má — e também não é neutra.” Não é apenas uma ferramenta, é uma arma invisível, precisa e moralmente ambígua. O que ela faz não depende do que é — depende de quem a usa, como e para quê. Estas duas histórias não têm qualquer pretensão ou intenção moral. São apenas uma reflexão sobre o exercício do poder – sobre a afirmação do poder do Príncipe – e sobre essa ideia maquiavélica, tantas vezes tribal, de que os fins justificam os meios.

Boas Férias.

Leave a comment

Your email address will not be published. Required fields are marked *