Defender a humanidade é ser extremista?

O mundo está estranho. Se fechar os olhos e tentar ouvir as opiniões mais polémicas, consigo visualizar uma linha horizontal. Essas opiniões estão nos extremos dessa linha: início e fim, 0 ou 100.

Afinal, por onde anda o meio-termo? Os 50? 60? Ou até 40?

Como é possível, por exemplo, haver negacionistas ou apoiantes do genocídio em Gaza, perante as provas deste “crime do século”? Foram assassinados 6 milhões de judeus europeus pelo regime nazi alemão na Segunda Guerra Mundial. Neste século, 61 mil palestinianos foram mortos pelos israelitas, segundo o Ministério da Saúde de Gaza. Descendentes das vítimas do Holocausto a repetirem a história?

O Holocausto já não é a única vergonha da história… A desumanidade voltou?

O que sinto é que vivemos em extremos de opiniões.

Ocupar casas abandonadas (onde ninguém vive) não dá votos, mas demolir barracas com famílias que trabalham e com filhos na escola dá votos?

Extremos?

As demolições têm o apoio de emigrantes portugueses. Os mesmos que, nos anos setenta, se instalaram em países europeus começando também do zero. Muitos deles em barracas. É confuso: estão a querer demolir as barracas de imigrantes que estão a começar como os nossos começaram no estrangeiro?

Fiz parte de um projeto, no final dos anos 90, em que se demoliram barracas. Nessas barracas viviam consumidores de substâncias, muitos já com doenças graves associadas à vida de consumos. As barracas e tendas do Casal Ventoso foram demolidas depois de estarem vazias. Uma equipa multidisciplinar instalou o Gabinete de Apoio (montado em contentores).

No gabinete, através de um “técnico de referência” com regras, tiveram direito a comida, banho quente, roupa lavada e cuidados de saúde. Depois de ingressarem em programas de substituição opioide, foram encaminhados para o Centro de Abrigo. Com humanidade, cuidámos das pessoas que viviam nessas barracas. A maioria reorganizou-se.

O que mudou desde então?

A humanidade entrou em decadência, com a rutura dos valores que nos diferenciavam das outras espécies. O que se está a perder é precisamente o que nos distingue dos restantes seres não racionais: a dignidade humana. Não há humanismo. Voltámos à “queima das bruxas” e aos bodes expiatórios. Estaremos a funcionar num nível primário?

Emigrantes portugueses que concordam com a demolição desumana de barracas manifestam uma rigidez de pensamento, mesmo reconhecendo que eles próprios viveram em comunidades. Ou seja, não evoluíram e não aprenderam com a história que viveram. O mesmo acontece com os israelitas em relação ao que se passa em Gaza.

Mas não são todos assim. Há emigrantes indignados, tal como há judeus indignados. Há meio-termo.

“Os horrores não são comparáveis, mas estamos a falar sobre a crueldade humana, a falta de humanidade, o sofrimento deliberadamente provocado. A energia é a mesma. A fome que mata crianças deliberadamente é uma ferida na nossa história. Um fracasso da nossa humanidade. Sempre me perguntei como é que o mundo deixou o Holocausto acontecer. Mas o mundo está a deixar isto acontecer à nossa frente. Temos a obrigação de encontrar uma reação positiva a isto. Temos de continuar a dizer a verdade…” Gabor Maté, médico húngaro-canadiano, os seus avós morreram no Holocausto.

Como alguém me disse:

“Pensamento rígido, cheio de certezas, é doença mental. Pensamento flexível, com tolerância e aceitação, e disposto a implicar-se, é saúde mental.”

Na rigidez não há plasticidade, não há mudanças. Ninguém cresce sem mudar. O mundo só melhora com adaptação e abertura, em vez de voltar para trás.

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