Bem-vindos à Madeira Luddite

Vivemos tempos curiosos. Tempos em que a tecnologia avança a passos largos, mas há quem ainda queira travá-la. Entrámos num novo Período Luddite, versão 5G, e há quem insista em não querer ver a realidade, mesmo que ela venha com notificações.

Eu imaginaria no século XX alguns episódios recentes madeirense:

Tivemos boieiros, acredito que o meu bisavô inclusive já que ele teve um carro de bois, a protestar contra a entrada dos táxis no negócio dos passeios. Imagine-se! Concorrência! Acabe-se com os táxis. Já os táxis argumentavam: já viram os dejetos que os bois deixam pelo caminho? Na altura não se falava da poluição dos carros a combustão, logo era um bom argumento. Mas os boieiros reclamavam: como é que se atrevem a querer transportar turistas?

Depois, claro, surgiram os míticos carreiros do Monte, a queixarem-se do teleférico. Não da subida, atenção, que essa até dá jeito — mas da descida. Porque aparentemente, a gravidade devia estar sob exclusividade contratual. Quem quiser descer do Monte devia ir de carro de cesto, ponto final. Como óbvio isto é tudo fantasia.

Mas claro, isto tudo não acontece só cá. Esta resistência às mudanças é um clássico. O nome técnico? Luddismo. O nome do protagonista? Ned Ludd, um suposto operário inglês do século XIX que, ao ver uma máquina de costura a ameaçar o seu ganha-pão, partiu-a. Entre 1811 e 1816, o movimento Luddite virou moda: invadiam fábricas, destruíam teares, e juravam a pés juntos que a modernice ia destruir o mundo.

Soa familiar?

Hoje, os Luddites vestem fardas, gravata de gestor de fábrica têxtil, ou t-shirt de músico. Os táxis querem eliminar os TVDE; as fábricas querem proibir a Shein (porque o algodão não é só doce — também é vingativo); músicos tremem com a Inteligência Artificial, e já protestam contra a IA, e não é para menos: a banda Velvet Sundown, feita 100% por IA, já tem mais seguidores no Spotify do que a maioria dos humanos.

E não fica por aqui: a China já abriu o primeiro hospital operado por 14 médicos IA e 4 enfermeiros virtuais. O atendimento é rápido, eficiente e não se queixam das horas extraordinárias — nem pedem café.

Muitos querem destruir a automação como se ainda estivéssemos no século XIX. Mas más notícias, meus caros: as máquinas agora não se partem com marretas — têm firewalls. Se quiserem mesmo travar esta revolução, vão ter de se reinventar como hackers. E nem todos têm jeito para Matrix.

A dura verdade? Esta evolução é inevitável. Pode ser atrasada por legislação, regulamentos e uns quantos protestos com cartazes escritos à mão, mas é como tentar parar um tsunami com um balde de praia.

Todas as profissões — sim, todas — irão desaparecer ou adaptar-se. Sempre foi assim. Quem hoje tem saudades da datilógrafa? Ou do senhor dos videoclubes? Eu, nostálgico como sou, ainda sonho com o barulho da impressora de fax, mas até eu reconheço: o progresso não espera.

Aliás, digo aos meus amigos (os que ainda não foram substituídos por bots): o meu plano para a reforma é simples — poupar para um robô da Tesla que me leve ao médico, me traga sopa, e me diga “tudo vai correr bem, senhor Eduardo”, com voz de Siri carinhosa. Melhor do que um lar. Melhor do que filhos ocupados. E muito melhor do que um cuidador. Não será mais humano poder ficar em minha casa com as minhas coisas e ter quem me ajude 24 horas por dia? Só necessitando de ser carregado.

Sim, é difícil. Mas negar a mudança não vai impedi-la. A única coisa mais patética do que querer travar a tecnologia é sonhar que podemos transformar a Madeira numa espécie de ilha Amish. Seria, sem dúvida, inovador. A primeira ilha Amish do mundo, com bodes, cestos, pão de casa e… bom, nada de Netflix.

Mas convenhamos: até os Amish têm site.

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