Podia ser o nome de um filme. O título de um livro. Ou até mesmo uma promessa no altar… Mas não! É apenas uma reflexão que me tem tirado o sono. Eu penso muito na partida. Tanto que às vezes até acho que perco tempo demais de vida a pensar só na ida. Ela vai chegar, é certo. E não tenho medo disso. Lido bem com a certeza de que tenho os dias contados (e vocês também, ou acham que são eternos?). Aflige-me é quem fica!
Coincidirá com um festival do Atlântico? Ou haverá foguetes suficientes para tanta gente? Será em época de férias em que apenas os emigrantes estão cá e os de cá foram todos embora? Será preciso cancelar algum evento importante como o Funchal Jazz ou os Altares de São João? Não sei. Não faço ideia.
Porém um dia destes, em conversa (mais monólogo) na consulta com uma paciente/amiga abordei o tema. Sim, eu sei que não há melhor assunto do que falar da morte numa cadeira de um médico dentista, mas vocês sabem lá o que é ter que arranjar tema para 20 pessoas diferentes todos os dias?! Não sabem… Então leiam só. E poupem-me dos vossos queixumes.
Dizia-lhe eu que tinha ido a um funeral que me tinha deixado a pensar numa coisa. Ao perceber a sua curiosidade com um arregalar de olhos e exposição das palmas das mãos, continuei… É que, no final da celebração (termo péssimo, perdão), o senhor padre informou que íamos ouvir uma música. Era porventura a preferida do nosso amigo! Em menos de nada começa a sair o som, daquelas colunas cansadas de tanto sermão, do tema “my way”. Por sorte não foi na voz do Padre José Luís, mas sim na do inconfundível Frank Sinatra, naturalmente. Momento arrepiante, como devem imaginar. Gostei. Gostei tanto que pensei logo que no meu quereria também algo do género.
Não, não me venham cá com o Hino do União! Para mortos já vou bastar eu… Mas então o que seria?! Corri a minha playlist e só tinha coisas como: “eu tenho 2 amores”. Problemas depois de morto?! Não obrigado! “Encosta-te a mim”. Cruzes credo. Cheguem-se antes para lá. “O Nosso Santo Bateu”. Só se foi de frente. “Vou levar-te comigo”. Até levava alguns, mas aposto que não cabe tanta gente numa urna estreita. Enfim… Desisti.
Eis senão quando me meto no carro e ligo o rádio, a resposta surge. Estava a tocar “You’ve Got a Friend” que é o mesmo que “você tem (neste caso tinha) um amigo” para os que não dominam o francês. Ainda por cima na voz de uma pessoa de quem gosto muito. Arrepiei-me de novo. Era aquilo. O Miguel Pires tinha que cantar no meu funeral. Não fosse o Diabo tecê-las ou eu me esquecer de o avisar, tratei logo de o informar. Peguei no telemóvel e mandei mensagem. “Se eu for antes de ti, cantas-me isto?”, junto com um áudio do momento. “Canto sim senhor”, respondeu ele todo solícito. Fiquei feliz. Pediu-me apenas um favor. “Se morrer eu primeiro, por favor não cantes no meu”. Desagradável. Estúpido até. Mas ok. Se esse é o seu desejo, vou respeitar, mas aviso já que muito contrariado.
Já a paciente não gostou. Achou que a melodia era muito melancólica. Sei lá. Muito lamechas. Sugeriu antes “Um Grande, Grande Amor” de José Cid. Dito assim não faz grande sentido, mas aquele “adio, adieu, aufwiedersehen, goodbye” do refrão, sim. Porque não?
Foi mais longe, diz ela que até pensa nas pessoas que estarão presentes. Na disposição das mesmas pela igreja. Quem fica na fila da frente. Quem puxa para trás! Fá-lo regularmente. Muda-as de lugar, imaginem. Pior só mesmo o Pinto da Costa que deixou uma lista de quem queria e não queria no seu funeral. Ui ui. Se eu fizesse um guia desses ia parecer as antigas páginas amarelas. Melhor não. Prefiro ir eu aos deles todos.
Só que ela não foi embora sem me deixar ainda mais inquieto. Como se não bastassem todos estes pormenores para o grande dia, fez-me pensar ainda em que roupa levar. Pior, se queria ir maquilhado ou não.
Ela queria ir envolta num lençol ou algo do género. E descalça. Talvez para reduzir a pegada ecológica, sei lá. E eu? Não faço ideia. Modéstia à parte, qualquer trapinho me fica bem… Tanto faz. E maquilhagem? Dispenso. Mas por favor. Agora que penso nisso, uma coisa não pode faltar! Pó no cabelo. E laca para ele não sair. Ou isso ou então fechem o caixão. Não quero que fiquem com a minha imagem de careca despenteado. É de c(h)orar.
Ps, por falar em partidas, muitos de vós não saberão, mas, na madrugada deste sábado morreram 6 pessoas carbonizadas numa colisão frontal no IP2 em Castro Verde. Por sorte não foi em Espanha. Nem foi um Lamborghini. Nenhum jogava à bola. Nenhum era cantor. Ninguém importante, portanto. Foi só gente que morreu. Paciência.