Politicamente Correto

O que será essa coisa do “politicamente correto” que tantas pessoas dizem detestar? Uma exortação à liberdade total do indivíduo em dizer tudo o que lhe passa na cabeça, sem filtros e sem preocupação com as implicações que essas afirmações possam ter sobre o outro. É a liberdade de dizer – e, em breve, também de fazer – tudo o que lhe apetece. Com o galopante egocentrismo e individualismo, o novo aceitável em sociedade torna-se a falta de polidez e o fim do civismo e da gentileza. É isso que se torna a regra normativa, o que não deixa de ser curioso, quando os seus apologistas dizem lutar contra “diretivas de pensamento”. Novas diretrizes de uma nova minoria que se advoga falar em nome da maioria.

Na verdade, são autênticos jogos de espelhos que ignoram um princípio ético fundamental em sociedade: “a nossa liberdade termina onde começa a do outro”. Ou seja, a liberdade individual não pode prejudicar ou limitar a liberdade de outras pessoas. Este princípio pode se aplicar a outros temas, como o bem-estar: o meu bem-estar individual termina onde começa a do outro. É assim que se garante que o desenvolvimento de uma sociedade se faz de forma equilibrada e sustentável. Só assim é possível conviver em sociedade de forma harmoniosa e justa, senão a liberdade e o bem-estar de uns transformam-se em abuso ou opressão sobre os outros.

A liberdade de expressão é outro exemplo do mesmo princípio. Ela não pode ser carta branca para disseminar discursos de ódio ou calúnia, que prejudicam a liberdade e a dignidade de outros indivíduos com o objetivo de fomentar agendas pessoais expansionistas.

Uma das temáticas preferidas do discurso “sem filtros” prende-se com o direito do trabalho. Um claro exemplo é a recente polémica da Ministra da Segurança Social que decidiu lançar uma manta de suspeição generalizada sobre todas as mães que amamentam neste país, sem sequer saber de que universo real se fala (somente 21,8% das mães em Portugal amamentam em exclusividade até aos 6 meses do bebé, e 5,7% até aos 24 meses) nem que objetivos de cobertura de amamentação são colocados (a Organização Mundial de Saúde recomenda que até 2030 se alcance os 70% até aos 6 meses e 60% até aos 24 meses). Mas o discurso “anti-politicamente correto” quer pintar essas mães de potenciais criminosas que lesam o Estado com a sua dispensa laboral para amamentar. Que distorção de princípios!

Outros exemplos passam pelo discurso que quer pôr reclusos a limpar caminhos, ou que os beneficiários de RSI trabalhem gratuitamente para o Estado. Só porque estas ideias geram muitos likes online, não significa que sejam corretas em termos éticos ou que sirvam para sequer resolver quaisquer problemas. Bem pelo contrário. Criam fissuras e trincheiras na sociedade, disseminando desconfiança entre as pessoas. Nem se trata de ideias originais, sequer. Já foram praticadas no passado em sistemas que não primavam pelo respeito dos princípios da democracia liberal. A luta contra o “politicamente correto” já foi feita e ensaiada inúmeras vezes na história da Humanidade. Que não caiamos na mesma armadilha novamente.

Sugestão da Semana: A autobiografia da antiga primeira-ministra da Nova Zelândia Jacinda Ardern, “Um poder diferente”. Uma mulher que ganhou respeito internacional pela sua forma de fazer política com empatia e compaixão, demonstrando que líderes políticos podem ser fortes e eficazes, não apesar, mas antes devido ao seu humanismo e gentileza.

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