Juiz da Comarca de Leiria processa Estado por atraso da Justiça

Um juiz da Comarca de Leiria interpôs uma ação contra o Estado por atraso da Justiça na sequência de um processo que aguarda por decisão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) há mais de sete anos.

A ação administrativa comum, para efetivação de responsabilidade civil extracontratual pela prática de facto ilícito resultante de atraso na administração da justiça, deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria em julho.

Na petição inicial, à qual a agência Lusa teve acesso, o magistrado judicial explica que esteve colocado um ano num tribunal do distrito de Leiria como auxiliar, embora tenha desempenhado exclusivamente funções de juiz de círculo naquele período.

Porém, “de forma perfeitamente ilegal, o Conselho Superior da Magistratura decidiu não pagar” ao juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria a retribuição mensal devida pelo exercício daquelas funções, o que o “prejudicou patrimonialmente”, pelo que intentou uma ação no TAF de Leiria em setembro de 2014.

Em fevereiro de 2018, a pretensão do magistrado judicial foi julgada improcedente, pelo que recorreu, em abril seguinte, para o TCAS, onde o processo “se encontra jacente” há mais de sete anos, à espera da decisão final.

O juiz adianta que deverá jubilar-se no início de 2026, mas, referindo-se a um despacho da juíza desembargadora, “não é previsível que venha a ser proferida decisão final” nos autos antes da jubilação.

“Nem é, aliás, previsível, nos tempos mais próximos, que venha a ser proferida tal decisão, ainda que o autor acredite estar ainda vivo quando tal suceder”, ironiza.

Lembrando que a Constituição consagra que “todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável”, o magistrado judicial salienta que quase 11 anos para obtenção de uma decisão final no processo intentado em setembro de 2014 “não é um prazo razoável”.

O juiz cita um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de dezembro último que, em síntese, reconhece que “a violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável (o não cumprimento dos ‘standards’ de duração razoável de um processo) consubstancia um facto ilícito e culposo”, tratando-se do “funcionamento anormal do serviço”, segundo o Regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas.

Nesse sentido, o atraso da justiça consubstancia “um dano não patrimonial pelo atraso, pelo mau funcionamento do serviço que não proferiu a decisão judicial em prazo adequado”, lê-se no acórdão, que integra jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

Essa jurisprudência sustenta que “a duração média – que corresponde à duração razoável – de um processo em 1.ª instância é de cerca de três anos e a duração média de todo o processo deve corresponder, em princípio, a um período que vai de quatro a seis anos, salvo casos especiais”.

Segundo o juiz, não se está perante nenhum “caso especial”, pelo que o processo excede em quase cinco anos “o prazo razoável para obtenção de uma decisão final”, excesso que não tem “qualquer justificação”, pois a ação “não tem qualquer complexidade”.

Nesse sentido, “tem o autor direito a ser indemnizado pelo réu [Estado]”, acrescenta a petição inicial, mencionando a mesma deliberação do STA, segundo o qual a indemnização pelo dano do atraso deve quantificar-se em dois mil euros “por cada ano de delonga processual injustificada”.

Assim, o juiz pede a condenação do Estado a pagar-lhe uma indemnização pelo dano não patrimonial do atraso da decisão, “tendo em conta o atraso injustificado de quatro anos, dez meses e onze dias que se calcula neste momento [aquando da entrada da ação no TAF de Leiria] em 9.600 euros”, além de juros “moratórios, à taxa legal, vencidos e vincendos, desde o respetivo vencimento até integral e efetivo pagamento”.

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