A anciã que vendia um limão em Avlabari

Escrevo este artigo a meio de uma viagem à Geórgia, no Cáucaso. O país das montanhas, do clima subtropical do Mar Negro, da magnífica comida, e onde já se faz vinho há mais de 8000 anos. Escrevo de Kutaisi, a quarta maior cidade, com cerca de 150 000 habitantes e «a mais antiga da Europa», segundo a Mariam, que nos acolheu no alojamento que uns amigos abriram há algum tempo na cidade. Quando chegámos, havia um casal de espanhóis e falei-lhes um bocadinho em portunhol pois já tinha saudades de ouvir uma das línguas ibéricas, apesar de a Geórgia estar situada em territórios do antigo reino de uma outra Ibéria, fundado no século IV a. C., e que se transformou num dos primeiros reinos católicos. Disseram-nos que haviam estado em muitos lugares menos em Batumi, a estância balnear por excelência da antiga União Soviética e que se transformou numa espécie de Dubai – o que também se quer que aconteça na Madeira? –, onde uma certa parte do mundo se encontra. As matrículas dos carros que por lá se veem atestam esta diversidade: Koweit, Cazaquistão, Arménia, Azerbeijão, Turquia, Bielorússia e efetivamente um número infindo de matrículas russas e respetivos ocupantes. É algo estranho estar num país, sobretudo depois do início da guerra na Ucrânia, em que interagimos diariamente com tantos cidadãos russos e que muitas vezes quando somos abordados por alguém, até pelos georgianos, nos falam em russo. O clima subtropical de Batumi faz com que uma parte da vegetação se assemelhe à da Madeira. No jardim botânico, fundado no início do séc. XX, paredes-meias com o Mar Negro e que se eleva até mais de 200 metros do nível do mar, vimos araucárias, agapantos, hortênsias, pinheiros, magnólias, e árvores a perder de vista. Chegámos já ao final do dia, também para evitar o calor, e só de lá saímos depois das 20h, falando com uma família da Arábia Saudita, e ainda a tempo de mergulhar naquele Mar Negro que se tornava rosa com o pôr-do-sol. Gostámos desse cabo verde, onde se pode escapar ao bulício de uma Batumi que se deita tardíssimo, como aliás quase todas as zonas urbanas georgianas.

A capital Tbilisi congrega cerca de um terço da população do país, com mais de um milhão de habitantes. Aí, ficámos em Avlabari, um bairro onde há uma população arménia, e raramente se veem referências à Ucrânia.

À entrada da estação de metro de Avlabari, uma anciã, de preto da cabeça aos tornozelos, vendia um limão – em países onde a redistribuição da riqueza ainda nem no papel está, ao lado de carros de vidro fosco e de ar condicionado no máximo há uma pobreza também ela no máximo. Daí por um bocado, tivemos de nos abrigar do calor numa pizzaria. De repente, olho para uma das colinas e vejo a casa desenhada pelo arquiteto japonês Shin Takamatsu para o homem mais rico da Geórgia, Bidzina Ivanishvili, e antigo primeiro-ministro.

Fez fortuna na década de 90 na Rússia, e é o homem que fundou e lidera na prática o partido atualmente no poder, de nome Georgian Dream (Sonho Georgiano) – título de uma canção do seu filho mais velho, que é um rapper –, mas que, ao contrário do que o nome poderia indicar, e sobretudo desde a invasão em larga escala da Ucrânia pela Rússia, tem um discurso e uma prática legislativa cada vez mais pró-russa e antieuropeia.

A lenda diz que foi em Kutaisi, donde escrevo, que chegou Jasão em busca do velo de ouro, e que só conseguiu ser bem sucedido nos três trabalhos impossíveis que o rei Eetes dos Colchis lhe propôs devido ao amor da filha do rei, Medeia, que o protegeu. Nestes trabalhos em que a Geórgia se encontra, espero que consiga também encontrar a sua Medeia.

Em Portugal, destroem-se barracas e vidas. Acho que é importante ir ver as histórias dos emigrantes portugueses nos bidonvilles nos arredores de Paris na década de 60 para perceber as semelhanças. Em Gaza, a infâmia continua. Temos de nos mobilizar – nos nossos trabalhos, na esfera pública, junto dos representantes políticos – para que esta negação da humanidade cesse.

Leave a comment

Your email address will not be published. Required fields are marked *