Naquele tempo, era assim que os homens se cumprimentavam uns aos outros, “Vai ou não vai?”. “Ora se vai, tem de ir. O que se lhe há de fazer?” Uma outra forma de saudação podia ser ouvida de um lado para outro dos terreiros e era uma espécie de abreviatura do “Vai ou não vai?”. Era, pois, o “Ó vai isso?” Lembro-me perfeitamente de ouvir estes dizeres pelas manhãs de domingo, quando os homens estavam em casa no seu dia desigual. E este “Vai ou não vai?” fez-me lembrar de uma cena do quotidiano entre trágica e cómica que aconteceu com o meu pai velhinho. Faço aqui um aparte, porque me lembrei que Isabel Allende em “O meu país inventado” se lamenta de que a sua família não goste das suas divagações sobre a parentela. Compreendo, mas esta eu tenho de dizer, porque tem graça, e este ano já muito tenho pregado em vão sobre preocupações escolares, como por exemplo, o (ab)uso dos computadores na aprendizagem dos crianços e as unhas de metro e meio das meninas.
Não me lembro de meu pai jovem, pois quando eu nasci, ele já tinha quase 40 anos, um homem de meia-idade, portanto, cheio de trabalho e determinado, pronto a despachar o que tinha de ser despachado. Mas só perto dos 80 anos, já mais fragilizado, é que aquele ente querido passou a ser “O nosso velhinho lindo”. É sobre um dia desses que eu vou falar. Então é assim: vinha uma rapariga ajudante domiciliária à nossa casa tratar da higiene dos nossos velhinhos, pai, mãe e tia. Era meio baralhada, mas muito fresca e carinhosa. Um dia, enquanto ela tratava de meu pai, ele escorregou e caiu e ela não o podia levantar. Ela teve um grande desgosto, pois não estava ninguém em casa que pudesse ajudar. Meu pai, perante a aflição dela, começou a dizer “vai ou não vai?” e a dar dicas “faça assim e faça assado que eu vou-me levantar”, mas ela, quanto mais puxava por meu pai, mais destrambelhava tudo, de tão nervosa. Estiveram naquela ginástica um bom pedaço e foi quando ela disse assim: “Eu vou chamar o vizinho fulano tal.” E meu pai “Alto lá! Não é preciso!” E a ginástica continuou e nada. Arrastão para aqui, arrastão para ali. Lá veio o vizinho salvar a situação. De tão desclassificado com aquelas voltas todas, meu pai disse assim: “Se a minha filha Sílvia estivesse aqui, não era preciso nada disto. Ela ia começar – pai, vai ou não vai? Vamos e vamos… E ela ia rilar comigo até me pôr de pé…”
O bonito foi no dia seguinte. A rapariga queria fazer a experiência de sentar meu pai no chão para ver se eu podia sozinha levantá-lo, usando as tais palavras mágicas. Silencioso, meu pai sorria enternecido para mim, como a questionar “Tu és capaz, filha?”. Claro está que esse exercício de ginástica não se realizou, primeiro, para não dar mais tormento ao nosso velhinho; segundo, para eu não ficar mal no retrato.
Hoje, no moderníssimo século XXI, aqui, nos arrabaldes do alto da serra de São Gonçalo, os homens, que eram os pequenos novos do tempo de meu pai, e que agora também eles – a idade não perdoa – já estão entrados na terceira idade, trocaram as voltas ao “Vai ou não vai” e convocam-se uns pelos outros assim: “C`ma é?”. Há um que entra na conversa de forma enfática “C`ma é qui é?”, exagerando no “i”. Fica a dúvida se é uma pergunta ou se é uma resposta. É um código que regula certas ocasiões, nos sábados à tarde, pretexto para ir ver o “Primeiro de Maio” ou ir às “Primaças” para os lados do Rochão e, à noitinha, trazer pão de casa cozido no forno a lenha.
Numa destas casas floridas, há um boneco, de pé, todo feito em madeira, cara de lua cheia, que segura um tabuleiro onde florescem vasos de flores sempre lindas. Na borda do tabuleiro, um letreiro que diz assim: “Como é?”
Aqui está uma forma criativa e artística de fixar a fala do nosso vizinho do cabeço da frente: “Como é?”
Quem não gostaria de imortalizar certas palavras cheias de significado?
“Vai ou não vai?”. “Como é?”