Já se escreveu tudo, mas nunca será demais voltar a dizer.
Na Assembleia da República, Ventura deu a conhecer uma lista de nomes de crianças, alegadamente estrangeiras, a frequentar uma escola em Portugal, depois de Rita Matias a ter referenciado num dos seus vídeos.
À posteriori, Matias veio dizer que não confirmou a veracidade da tal lista. Recebeu-a e debitou-a.
A propósito, não admira que, de acordo com um estudo da UBI com a ERC, o Chega tenha sido o partido que mais divulgou conteúdos desinformativos nas últimas legislativas nacionais. Foram monitorizadas mais de 4500 publicações de partidos no Instagram, Facebook, X, TikTok e YouTube e 81% da desinformação verificada estava relacionada com aquele partido. Não há coincidências.
Mas voltemos às crianças.
A lista com os seus nomes foi lida no âmbito de um debate parlamentar em torno da lei da nacionalidade e da imigração.
Dir-me-ão, talvez, que, apesar do processo de averiguações em curso, aberto pela Comissão Nacional de Proteção de Dados, depois de recebidas várias queixas, não há qualquer ilegalidade.
Aliás, a liberdade de expressão foi a desculpa mais usada, que se viu reforçada por constitucionalistas que fizeram alusão ao artigo 157.º da Constituição da República que defende que os deputados “não respondem civil, criminal ou disciplinarmente pelos votos e opiniões que emitirem no exercício das suas funções”. E é aqui, precisamente, que reside a luz do populismo e da (falta) de ética e de moralidade.
Matias e Ventura não levaram esta lista ao Parlamento para denunciar uma alegada “mudança cultural”. Levaram-na para semear o ódio, o medo, a mágoa, a raiva e uma perspetiva de injustiça. Levaram-na porque vivem de slogans, soundbites e de populismo oco, de uma política que desinforma e desagrega, em vez de aceitar, disciplinar e acompanhar.
É por isso que é fundamental recordar aquela que foi a informação veiculada pelo Ministério da Educação que reitera que “a nacionalidade do aluno não é critério nas matrículas (…) e em nenhum dos artigos da legislação em vigor está expresso que as crianças e os alunos vindos do exterior têm prioridade sobre os restantes”.
Têm prioridade, apenas, crianças “com necessidades educativas específicas, com existência de irmãos na mesma escola, beneficiários da ação social escolar, proximidade da residência ou do local de trabalho dos pais ou encarregados de educação”. Mesmo que, no regulamento interno de cada escola, sejam definidos outras prioridades ou critérios de desempate, estes devem respeitar a lei em vigor.
A liberdade de expressão não pode ser chapéu para toda e qualquer imoralidade que seja proferida no exercício de funções públicas. Funções, essas, que deviam ser desempenhas com base na lealdade e na defesa dos direitos humanos. Não há pessoas mais pessoas do que outras.
Lembremo-nos, como diz o poema, que “Primeiro, levaram os negros, Mas eu não me importei com isso, Eu não era negro”. Um dia, depois de atropelada toda a dignidade humana e toda a credibilidade parlamentar, poderemos ser nós. Mas aí pode já ser tarde.
*Bertolt Brecht (1898-1956)