Aldous Huxley, 1932
Volvidos seis meses de Administração Trump, as certezas conhecidas transformaram-se nas incertezas desconhecidas. Inaugurou-se a era das Big and Beautiful Bills e da produção em serie, qual linha de montagem da Ford, de 170 Ordens Executivas.
A segunda Administração Trump tem como programa uma verdadeira revolução em que se assiste não apenas a uma mudança de políticas e instituições, mas a revisão da identidade dos EUA enquanto país e ator na cena internacional.
Assistimos ao regresso do America First – abordagem nacionalista das relações externas, unilateralismo e ceticismo sobre alianças – rompendo com a postura pós 1945 em que liderou a luta pela democracia liberal, pelo comércio livre e justo, e contra o nacionalismo agressivo. Assistimos ao abandono do, aparente, consenso liberal internacional, substituido por uma abordagem nacionalista e transacional, pelo bilateralismo desprovido de valores democráticos, e ao desencadear de uma possível guerra comercial. Ao que se alia uma liderança que se caracteriza pela impulsividade e imprevisibilidade, e que constituí um incentivo a uma nova ordem internacional centrada em interesses bilaterais e soberanos.
A trumpização da vida política, quer a nível interno quer externo, tem efeitos visíveis: a erosão da democracia enquanto forma de organização política dos Estados, o aumento da violência política, e a instabilidade interna nos países que a abraçam. Servem de modelo para a ação das lideranças políticas, dando-lhe rosto, inspiração e legitimação a uma forma de ação política marcada pelo populismo agressivo, a desinformação, o desprezo pelas instituições democráticas e uma retórica de confronto constante.
Nos últimos anos assistimos à ascensão de líderes com discursos polarizadores, centrados no culto da personalidade, no desprezo pela verdade factual e no apelo direto às emoções e vulnerabilidades do eleitorado. Estas lideranças recorrem à simplificação populista com slogans vazios para abordar problemas complexos, instigam à desconfiança das elites, e procuram desacreditar a comunicação social e o sistema judicial. Nas redes sociais cresce o espaço para teorias da conspiração, o revisionismo histórico e ataques a minorias. A verdade torna-se sistematicamente relativa, as instituições são um alvo e o adversário político é o inimigo.
Em consequência do novo posicionamento internacional dos EUA e, em especial da liderança de Donald Trump, a Europa está a mudar a sua relação com os EUA. Até porque Washington, que pauta a sua atuação pelo pragmatismo, em relação à Europa assume uma postura ideológica. Relembremos as interferências de Elon Musk e JD Vance em relação a diferentes processos eleitorais no Velho Continente.
A Europa habituada a viver sob a proteção dos EUA – quer através da dissuasão nuclear, da presença de forças militares e da própria OTAN – vê-se obrigada a transformar-se de “projeto de paz” também em “projeto de guerra”. Pois as garantias de segurança e fiabilidade da Administração Trump não convencem as lideranças europeias.
A nível dos partidos políticos a influência de Trump também se verifica. A extrema-direita europeia, tradicionalmente defensora da soberania nacional, transfigura-se como vanguarda continental de um movimento revolucionário transnacional alinhando-se com as políticas de Trump para mudar a ordem internacional. Por seu lado, os partidos tradicionais surgem como defensores da soberania e da dignidade nacional perante a interferência ideológica dos EUA afastando-se do multilateralismo.
Se para o mundo a Administração Trump é um fator de instabilidade, para a Europa poderá constituir uma oportunidade para a reinvenção da sua identidade. E não seria a primeira reinvenção da Europa na sua história milenar.