Durante demasiado tempo, os emigrantes madeirenses foram olhados com desconfiança por parte do poder político. Partiam por falta de escolha, fugindo à miséria e à falta de futuro. Levaram nas malas a coragem e nos olhos a saudade, mas, cá dentro, os regimes faziam por esquecer que existiam. Salazar via-os como braços que desertavam e, pior ainda, como esponjas dessas ideias perigosíssimas como liberdade e democracia. O Estado Novo, que tanto falava de pátria, nunca soube incluir os que tiveram de abandonar aquela que os pariu, para viver com a exígua dignidade de poder comer um bocado de pão.
Foi só quando as remessas começaram a fazer diferença — e fizeram mesmo muita diferença! — que os emigrantes passaram a ser tolerados. Não reconhecidos. Tolerados. Serviam para equilibrar a balança de pagamentos. Mas continuavam a ser vigiados, controlados, mantidos à distância. Valiam mais pelo que enviavam do que pelo que representavam.
Foi a democracia que mudou isso. E, sobretudo, a autonomia. A partir do momento em que a Madeira passou a pensar por si mesma e o povo madeirense a decidir o seu destino, começou também a olhar para os seus emigrantes de outra forma. Não como braços perdidos, mas como parte do corpo. Foi nesse novo tempo que, em 1977, nasceu o Madeirem 77, o primeiro grande encontro da “família madeirense” espalhada pelo mundo.
Durante cinco dias, o Funchal tornou-se o centro da nossa diáspora. Vieram madeirenses de França, da Venezuela, do Brasil, da África do Sul, do Canadá, da Austrália. Vieram contar as suas histórias, reclamar o seu lugar, reforçar os laços com a terra que os viu nascer. Não foi um mero encontro simbólico. Foi um ato fundador. Por isso lhe chamam, com justiça, a “pia-batismal” das comunidades madeirenses. Dessa reunião nasceu o Centro do Emigrante, criado a 1 de julho de 1977, na Rua 5 de Outubro. Ali se começou a construir uma ponte entre os que partiram e os que ficaram. Ali se deu o primeiro passo para tratar os emigrantes como cidadãos de pleno direito, e não apenas como carteiras ambulantes.
Esta semana, em que se realiza o Fórum Madeira Global 2025 e se reúne o Conselho da Diáspora Madeirense, vale a pena olhar para trás e lembrar esse momento inaugural. Porque, no fundo, o que está em debate continua a ser o mesmo: autonomia, identidade e desenvolvimento. E a verdade é que nenhum destes três pilares se sustenta sem os outros dois. A autonomia permite-nos fazer diferente. A identidade mantém-nos ligados. E o desenvolvimento exige que saibamos aproveitar todos os nossos recursos, especialmente os humanos, mesmo os que estão longe.
A Madeira de hoje já não se limita às suas ilhas. A Madeira estende-se pelos bairros de São Paulo, pelas comunidades em Caracas, pelas zonas agrícolas da África do Sul, pelas cidades do Canadá, Reino Unido, EUA ou Austrália. Onde houver um madeirense, há uma parte da nossa história e há também uma parte do nosso futuro. Não podemos cair na tentação de ver a diáspora apenas como promotores turísticos ou fonte de investimento. Que também são. Mas isso seria repetir a visão utilitária do passado. Temos de ir mais longe: envolver, ouvir, corresponder. Criar canais, redes, políticas de continuidade. Manter viva essa ligação afetiva, identitária e cívica.
O Madeirem não foi só um evento. Foi um compromisso. Quase cinquenta anos depois, o seu espírito continua atual: reconhecer que a Madeira não é apenas o que está aqui, mas também o que vive lá fora. E continua vivo: no Fórum Madeira Global e no Conselho da Diáspora que se reunirão amanhã e depois.
A nossa casa, para ser inteira, não pode jamais esquecer a totalidade dos seus filhos. E esses são os que cá estão e todos aqueles que se encontram nos balcões e nas janelas abertas e viradas para o mundo. A Madeira está mesmo onde está um madeirense. E para este Governo Regional, todos contam!