A diretora-geral da UNESCO, a francesa Audrey Azoulay, lamentou profundamente a decisão do Presidente norte-americano, Donald Trump, de retirar o seu país da organização, mas garantiu que estavam preparados para isto, inclusive em termos orçamentais.
“Embora lamentável, este anúncio era previsível e a UNESCO preparou-se para ele”, disse Azoulay em comunicado após a decisão norte-americana, anunciada por um porta-voz do Departamento de Estado de Washington.
A Agência das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), com sede em Paris, explicou que a contribuição dos Estados Unidos representa 22% do seu orçamento regular, mas apenas 8% do seu orçamento total, que é sustentado, para além das contribuições obrigatórias dos membros, por contribuições voluntárias de países, organizações sociais e doadores.
Estes contributos duplicaram desde 2018, o que significa que a agência está “protegida” e “não está a considerar despedimentos”, indicou o diretor-geral, uma vez que a situação é menos dramática do que para outras entidades da ONU mais dependentes de Washington.
A ausência de contribuições dos EUA não impediu grandes projetos como a reconstrução da cidade antiga de Mossul (Iraque), iniciada em 2018.
Em relação aos argumentos dos Estados Unidos, que justifiquem esta medida, o Departamento de Estado indicou que “não é do interesse nacional”, dado que a UNESCO promove “causas sociais e culturais divisórias”, notícia a agência noticiosa espanhola Efe.
Os norte-americanos citaram especificamente a natureza “globalista” e “ideológica” dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU e reiteraram também a sua oposição ao estatuto da Palestina, que foi admitida como membro em 2011.
A entrada da Palestina levou o Governo norte-americano, então liderado pelo Presidente Barack Obama, a congelar as suas contribuições para a UNESCO, e depois Trump finalizou a retirada em 2017 (embora só entrasse em vigor no ano seguinte) em protesto contra as alegadas tendências anti-israelitas da organização e citando também a necessidade de reformas.
Em 2023, quando os Estados Unidos regressaram como membro de pleno direito por iniciativa do Presidente Joe Biden, fizeram-no com um plano de liquidar gradualmente os pagamentos pendentes do período de 2011 a 2018, que totalizaram 619 milhões de dólares.
As razões para a retirada, “são as mesmas de há sete anos”, referiu hoje Azoulay, apesar de a situação dentro da organização “ter mudado profundamente” desde então.
Sobretudo porque as decisões são atualmente tomadas por consenso — incluindo em relação a Israel e à Palestina — para evitar atritos e acusações de politização.
Segundo fontes da organização, esta é, de facto, uma “decisão política bastante pessoal” sobre a qual a agência não tinha falsas esperanças, especialmente tendo em conta que o regresso em 2023 tinha sido uma iniciativa pessoal do Presidente Biden.
A situação atual da organização também não foi sujeita a uma revisão completa, de acordo com as mesmas fontes, que não atribuem o momento do anúncio a nenhum fator específico, notícia a Efe.
A UNESCO enfatizou ainda que a posição da administração Trump contradiz valores chave como o combate ao antissemitismo e a educação sobre o Holocausto, duas áreas que fazem parte do mandato da UNESCO.
O seu trabalho nestas áreas, recordou a diretora-geral, é aplaudido por importantes organizações internacionais e norte-americanas que lutam contra o antissemitismo e preservam a memória judaica, como o Congresso Judaico Mundial e a sua secção norte-americana, e o Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos, em Washington.
“A UNESCO continuará a cumprir estas missões, apesar da inevitável redução de recursos”, prometeu Azoulay, referindo que a missão da agência é acolher todas as nações e que os Estados Unidos “são e serão sempre bem-vindos”.
Azoulay fez ainda questão de referir os sítios monumentais indicados para o estatuto de Património Mundial e outros reconhecimentos, pois “podem ser os primeiros a sofrer as consequências” desta decisão “contrária aos princípios do multilateralismo”.
Esta é a terceira vez que os Estados Unidos se retiram da UNESCO, organização da qual foram um dos membros fundadores em 1945 e um dos primeiros signatários da sua constituição, que entrou em vigor a 4 de novembro.
A primeira retirada, além das duas de Trump, ocorreu em 1984, na administração do Presidente Ronald Reagan, em protesto contra o que considerou ser má gestão económica e “politização” excessiva — no contexto da Guerra Fria —, quando contribuiu com um quarto do seu orçamento.
O país só regressou em outubro de 2003, durante a presidência de George W. Bush.