Manual de Sobrevivência para um verão com amor, livros e cerejas

Há um tempo que só pertence ao verão. É líquido, preguiçoso, e espraia-se nos dias grandes como um gato ao sol. Não exige pressa, não precisa de agenda; pede apenas que saibamos estar.

A sobrevivência nesta estação não se faz com listas nem rotinas. Faz-se com pequenos gestos que parecem quase inúteis, mas que nos salvam: abrir um livro ao acaso, chupar o caroço de uma cereja, demorar-nos à mesa, rir até a barriga doer. E amar, claro, mesmo que seja um amor de dois dias ou de duas décadas.

O verão na Madeira tem esse dom de nos devolver a nós próprios. O corpo afrouxa, os ombros descaem, o sal deixa marcas boas na pele. Há qualquer coisa de cura no azul insistente do mar, no cheiro da terra quente, no silêncio da natureza. E é nesse intervalo, entre o calor e a brisa, que cabem os recomeços gigantes. Porque, às vezes, o que precisamos não é de mudar de vida: é de a respirar outra vez.

Por isso, aqui vai um manual para este verão. Um que não se compra, não se imprime: vive entre páginas, amores e frutos maduros.

Leva um livro contigo, sempre. E que seja português. Que tenha corpo e alma, rumor de coisas por dentro. Leva, por exemplo, “A Confissão da Defunta”, pela voz insanamente criativa de Gabriela Relvas. Ou “Quando o Amor é para Sempre”, de Catarina Rodrigues, que vos trará alento e porto seguro. Para serões quentes e inquietos, “A Noite da Tempestade”, de Filipa Amorim. Ou o belíssimo “O Quanto Amei Fernando Pessoa”, de Sara Rodi.

Come cerejas com as mãos. Deixa o sumo escorrer pelos dedos, sujar o que houver para sujar. Cerejas são como o verão: se forem bem vividas, deixam nódoa. E não há mal nenhum nisso.

Quebra horários. Senta-te num pátio com sombra, pede um copo da bebida que te apetecer. Não olhes para o relógio. Ouve. As gargalhadas. O gelo a derreter. O mar lá ao fundo, como quem assiste à vida com paciência.

Ama. Mesmo que não saibas bem como. O verão é terreno fértil para os afetos improvisados. Beijos no miradouro, mãos dadas na esplanada, promessas ditas só para durarem até setembro; ou para toda a vida. Nunca se sabe.

Faz uma pausa. Uma de verdade. Larga os e-mails, as metas, o ruído. As pessoas que não respeitam as tuas gentilezas. Uma pausa pode parecer um luxo, mas é mais: é um direito. E, às vezes, é também um portal. Porque há pausas que mudam tudo. Que nos devolvem à pele certa. Que nos acordam do adormecimento em que vivemos o resto do ano.

Este verão, não queiras tudo; apenas o essencial: um livro bom, uma cereja doce, um amor que te respire devagar, um almoço demorado, um céu sem pressa e a coragem imensa de parar.

Pausa. E recomeça.

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