A arte de bem receber!

Há slogans que nos marcam. Coisas realmente bem-feitas que fazem sentido. São aqueles “man in the moon moments”, rasgos de genialidade que perduram no tempo. “Pensar global, agir local” é, na minha opinião, um desses bons exemplos. A paternidade da expressão é discutível, mas é consensual que se trata de um conceito que ganhou popularidade com os movimentos ambientalistas, preocupados com a necessidade de promover ações em prol do planeta.

Recorro frequentemente a esse slogan como “solução” para um conjunto de desafios que vão além do domínio do ambiente. Falo, por exemplo, do setor do turismo, cujo mediatismo parece não ter fim, apoiado na ajuda milagrosa das redes sociais e dos encantos das mensagens idílicas dos autoproclamados “influencers”. Não é novidade para ninguém que o turismo, enquanto atividade económica, é um poço de virtudes (em 2024, o turismo representou 5,1% do VAB total da UE, superando os 500 mil milhões de euros!). Acontece, porém, que o turismo é muito mais que uma mera atividade económica geradora de riqueza. O turismo dinamiza a economia dos destinos, mas não está isento de impactos negativos, sendo por isso interpretado como um fenómeno complexo. E aqui começa o problema de quem gere o “negócio”, pois debater o estado do turismo vai muito além da promoção de reuniões entre decisores políticos e os agentes económicos, beneficiários diretos da boa saúde do setor.

Os problemas decorrentes do “crescimento” do turismo (vou resistir à tentação de referir a palavra “massificação”) que alguns negacionistas, teimosamente, dizem não existir, são hoje uma realidade incontornável em diversos pontos da Europa. Destinos como Veneza, Roma, Barcelona ou até Lisboa, entre tantos outros, são palco frequente de contestações públicas pouco amistosas. As razões são simples: os impactos da presença de turistas, numa proporção que se aparenta desproporcional face às caraterísticas e à capacidade do território que visitam.

O turismo é um jogo de equilíbrios onde a palavra sustentabilidade deveria ser usada com rigor, em vez de constituir um rótulo fácil na angariação de prémios discutíveis para efeitos promocionais. O problema torna-se ainda maior quando se caminha para o campo das soluções. Desde logo, porque não é fácil encontrá-las quando negamos a existência do problema. Depois, porque não havendo humildade, cedo caímos na tentação de avançar com pseudo-soluções, desprovidas de fundamentação e de estratégia. Entramos no domínio do “achismo”, suportado em perceções vagas, onde prevalece a incapacidade de recusar o lucro fácil.

Dito isto, e na qualidade de insular com 51 anos de existência (o que faz de mim um especialista em turismo minimamente qualificado, tal como todos os outros madeirenses), continuo a pensar que o segredo do negócio está, acima de tudo, na arte de bem receber! Contudo, só podemos ser bem-sucedidos se estivermos satisfeitos com nós próprios. A partir do momento em que a atividade turística condiciona negativamente a qualidade de vida dos locais, a disponibilidade de (bem) receber decresce consideravelmente. Quem nos visita merece ser bem acolhido, mas isso não deve condicionar o direito à qualidade de vida dos locais.

Por tudo isto, e não só (o tema é realmente complexo…), a UE já dispõe de uma Agenda Europeia para o Turismo 2030 e até um Comissário Europeu para os Transportes e Turismo Sustentáveis. O objetivo é simples: promover destinos responsáveis, garantindo que o turismo continue a gerar crescimento económico, mas mitigando o seu impacto sobre o território e as suas populações. Para estas metas não existem receitas comuns. O problema é global, mas a ação terá sempre de ser local. Sem truques e com a honestidade de reconhecer que o turismo não pode ser o remédio para todos os males e que não está isento de efeitos secundários adversos. Mas enquanto não chega a primeira estratégia da UE para o turismo sustentável (na primavera de 2026), ainda há tempo para refletir e agir.

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