Quintas, jardins e o eco longínquo de uma Madeira por vir

Publicado recentemente, em edição revista e compactada, As Origens do Turismo na Madeira, de Rui Campos Matos, não é apenas um livro. É, como os seus próprios protagonistas — as quintas madeirenses —, um corpo vivo de pedra, silêncio e tempo. A partir do acervo da Photographia Vicentes, a obra recupera, com critério e sensibilidade, aquilo que já não existe entre nós. Ou que, existindo, permanece invisível aos olhos apressados do presente.

Este não é um livro de nostalgia, apesar de nela habitar. É um livro de reconhecimento do que fomos enquanto ilha que, no século XIX, se tornou destino de saúde, repouso e deslumbre botânico para uma elite europeia em fuga das maleitas da industrialização. Na ilha que então se procurava — não por ter camas king size nem rooftops com piscinas, mas pelo murmúrio do jardim, o odor da terra húmida e a geometria gentil de uma casa implantada como um gesto civilizacional discreto.

As quintas madeirenses — aqui tratadas como entidades arquitetónicas e paisagísticas — são retratadas como aquilo que de facto foram: organismos vivos, integrados na matriz insular, habitados por estrangeiros temporários, mas também por famílias, criadagem, horticultores e uma certa ética da hospitalidade. Rui Campos Matos mostra-as como aquilo que são hoje: sobreviventes, espectros ou ruínas. Em todos os casos, memórias.

A maior virtude deste livro está na forma como articula imagem e análise. A fotografia antiga não é aqui ornamento, mas prova. Documento. Evidência do que se perdeu — e, portanto, aviso do que ainda pode ser salvo. E talvez por isso a reedição seja, em si, um ato político: um gesto de resistência silenciosa num tempo em que o betão apaga mais depressa do que se salvaguarda, e em que a memória urbana é sovada por discursos eufóricos.

Há uma ironia subtil que percorre este trabalho — talvez involuntária — mas que ecoa no leitor. Fala-se de um turismo de cura e confrontamo-lo com um território doente, urbanística e socialmente.

A reedição é compacta, prática, até portátil — quase como um pequeno vade-mécum daquilo que a Madeira poderia ter sido. É também uma oportunidade para guiar residentes e visitantes não pelas ruelas comerciais ou pelas rotas da restauração, mas pelos trilhos de uma identidade arquitetónica que foi (e pode voltar a ser).

É imperioso que este livro circule. Que seja lido por quem constrói, planeia e licencia. Que seja estudado por quem ainda acredita que o turismo pode ser compatível com uma estratégia de continuidade da herança e identidade. Que se torne, enfim, uma referência para um território que ainda pode reencontrar a harmonia entre forma, função e paisagem.

Talvez este livro possa assumir-se como (um) mapa para reencontrar-mos a nossa identidade turística.

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