Estarão as práticas imobiliárias a contribuir para o perpetuar de uma ilusão?
Antes de mais, no que a esta temática dos defeitos na compra e venda imobiliária diz respeito, há que compreender que os defeitos podem ser ocultos ou visíveis. Esta distinção é fundamental no raciocínio que importa fazer. Somente uma consciência prévia do significado desta dicotomia proporcionará, aos intervenientes, uma correcta gestão do negócio.
Ora, na compra e venda defeituosa, os preceitos legais existentes e que visam tutelar a posição do comprador, conferindo-lhe uma garantia relativamente a defeitos que surjam no imóvel, referem-se a defeitos ocultos e não a defeitos visíveis ou que pudessem ser detectados por um comprador diligente através de uma vistoria atenta ao imóvel. Daí a importância da distinção entre defeito oculto ou não aparente e o defeito visível ou aparente. O nosso sistema jurídico considera que o defeito não aparente pode ser legitimamente desconhecido pelo comprador, conferindo-lhe, por esse motivo, a aludida especial protecção, através da garantia legal.
Acessoriamente, importa referir que o ónus da prova de que existe um defeito da coisa vendida cabe ao comprador, mas que uma vez feita essa prova, então a lei presume a culpa do vendedor.
Numa tentativa frontal e convicta de contrariar tudo isto, encontramos, na compra e venda de imóveis usados, a prática corrente de imposição do vendedor no sentido de fazer constar, nas cláusulas do negócio, uma em que o comprador assume conhecer o estado de conservação do imóvel, assumindo todas as consequências daí decorrentes. É certo que esta declaração, sem mais, inserta na compra e venda, só pode ser interpretada no sentido de que o comprador apenas pode aceitar e conformar-se com o estado de conservação do imóvel, visível, não constituindo uma renúncia antecipada ao direito de peticionar a reparação de todos e quaisquer defeitos ocultos de que o imóvel padecesse e que venham a manifestar-se. Mas a verdade é que a ilusão dos resultados da dita renúncia continuam a inspirar e a motivar os vendedores imobiliários. Conforme acima se referiu, ainda que a compra e venda contemple uma cláusula com a supra descrita redacção, no fim de contas, manifestando-se um defeito que se encontrava oculto, a mesma de nada poderá valer ao vendedor que terá de assumir as suas responsabilidades. Ainda bem que assim é! Mas a ilusão anda aí…
NOTA – Por decisão pessoal, a autora do texto escreve de acordo com a antiga ortografia.