Refletir sobre o que se fez ou não se fez – como seres humanos, filhos, pais. Fez-se tudo certo? É quase certo que não.
Diz-se que esta será a primeira geração, em 100 anos, mais pobre que os pais. Talvez. Mas o que preocupa é a outra pobreza: a de valores.
Sou millennial, geração Y – a última a crescer com amor e a respeitar quem mandava, certo ou errado.
Há algo que me indigna: o bullying.
Sim, sempre existiu. O “caixa de óculos”, o “gordo”, o “cenoura”, a “loira burra”.
Mas no nosso tempo, quando o agressor era apanhado – por pais ou professores – havia consequências.
Ui ui… foge da frente!
A brincadeira acabava. Na minha extinta escola da Sé – hoje um AL instagramável – o Professor Firmino impunha respeito e proteção. Havia olhos atentos e quem agisse.
Hoje? Desacredita-se a vítima.
A palavra vale menos que um emoji no WhatsApp.
Denunciam? Ignora-se.
Falam? Distorce-se.
Choram? Dramatizam.
Grupo de Whatsapp? Tirado fora do contexto.
Isolam-nos do grupo? É um grupo privado de troca de livros, se calhar tipo Bilderberg.
Afinal, é só uma criança sensível, certo? Errado!
E o agressor? Tem desculpas para dar e vender.
É de uma família de bem – impossível.
É de uma família desestruturada – coitadinho.
Não sabe dar um pontapé numa bola – está frustrado.
Não sabe dançar – então desconta no próximo.
Não sabe fazer nada, mas é um mestre em lançar veneno – e ninguém quer ver isso.
Devia existir o “Manual das 1001 Desculpas para Não Confrontar um Agressor”.
E a vítima?
Isola-se, brinca sozinha, fala sozinha ou já nem fala.
Tentou falar? Disseram-lhe para não fazer disso um drama. Foi empurrada para o canto. A melhor: “Tu também fizeste por isso.”
Existem ainda os “vítimas-cúmplices” que dizem: “até gosto de ti, mas há quem não goste… logo, excluído.”
Ah, sim… há sempre a “intervenção” por um adulto “responsável”. Separaram-nos. Mas quem ficou sozinho? A vítima.
A instituição ligou aos pais do agressor? Para quê? Pode ter “nome” ou dar problemas. E o caso está arrumado: o pequeno está para ali num canto, calado, silenciado.
Até surgir a notícia:
“Criança suicidou-se”, lá vem o guião pronto:
“Nunca houve bullying.”
“Estaria sinalizado.”
Ou melhor, usam uma das frases do agressor: Ninguém gostava dele, ele ficava sempre sozinho, não sabemos bem a razão, devia ser dele.
“A culpa é da família – pais separados. Genética duvidosa, devia ser de outra cultura qualquer.”
Os outros pais – os que têm filhos envolvidos – lançam-se ao papel de figurantes arrependidos:
“Coitadinho, era tão calado… o meu filho era tão amigo dele.”
Pois. Tão amigo quanto um espinho é amigo da pele.
Mas se um dia – por obra do acaso – surgirem provas irrefutáveis: áudios, vídeos, mensagens, prints, testemunhos… não temam.
Sigam o exemplo dos pais do Fernando Valente:
Lixívia digital. Apaguem os áudios, apaguem as mensagens, formatem os telemóveis, deem banho ao histórico com lixívia. E digam de cara lavada:
“Nunca foi nossa culpa.”
“Fora do contexto.”
“É culpa da vítima.”
Sempre foi.
A receita está dada. Estas serão as respostas.
Na semana passada, vimos imagens de uma adolescente – monitora – a alegadamente agredir uma criança num ATL. Depois, vangloriou-se nas redes sociais das alegadas agressões. Não foi na China, foi aqui. Quantos casos assim nunca chegam a ser filmados?
Em Rabo de Peixe, nos Açores, vimos outras imagens perturbadoras: “situações isoladas”.
Não se esqueçam: A vítima é a culpada. A vítima isolou-se. A vítima não se integrou. A vítima pôs-se a jeito.
Ninguém está preparado para isto. Mas devíamos estar. Já era tempo.
Nesta Era, precisamos de parar, desacelerar e ajudar. Criar empatia com o outro é fundamental – não só para proteger as nossas crianças, mas para o bem da nossa sociedade.