O antigo primeiro-ministro José Sócrates alegou hoje que o Governo português desconhecia que a Venezuela pretendia construir casas quando ocorreram as transferências que a acusação considera serem subornos pagos pelo grupo Lena para obter apoio privilegiado no projeto.
Em causa está um programa para a construção de habitação social na Venezuela que, assegurou em tribunal o ex-governante, foi aprovado em março de 2007 pelo país sul-americano e chegou ao conhecimento do Governo português em fevereiro de 2008.
A visita à Venezuela, a convite do então presidente venezuelano Hugo Chávez, aconteceu em maio de 2008.
As transferências sob suspeita, totalizando 2.375.000 euros, ocorreram entre fevereiro e junho de 2007 e, acredita o Ministério Público, terão sido subornos pagos pelo grupo Lena ao então primeiro-ministro para beneficiar de apoio privilegiado para concorrer ao projeto de construção de casas na Venezuela.
“Alguém pagou a outro um milhão de euros [na primeira transferência] para um projeto que ninguém em Portugal sabia que existia, […] mais de um ano antes de a visita de Estado se iniciar, antes de se ter uma conversa com a Venezuela [para] acentuar a cooperação económica, mas antes até dos próprios venezuelanos saberem que queriam construir casas”, ironizou hoje, no quarto dia de interrogatório no julgamento da Operação Marquês, José Sócrates.
Segundo a acusação, datada de 2017, os montantes foram transferidos pelo administrador do grupo Lena, Joaquim Barroca, para o empresário Carlos Santos Silva, considerado pelo Ministério Público um dos testas-de-ferro do antigo primeiro-ministro no recebimento de presumíveis subornos.
Hoje, o chefe de Governo entre 2005 e 2011 insistiu que o dinheiro não era seu.
“A explicação das transferências deve ser pedida aos próprios [Joaquim Barroca e Carlos Santos Silva]”, sublinhou.
O antigo primeiro-ministro, de 67 anos, está pronunciado (acusado após instrução) de 22 crimes, incluindo três de corrupção por ter, alegadamente, recebido dinheiro para beneficiar em dossiês distintos o grupo Lena, o Grupo Espírito Santo (GES), e o empreendimento Vale do Lobo, no Algarve.
O processo conta, no total, com 21 arguidos, que respondem globalmente por 117 crimes económico-financeiros.
O julgamento começou em 03 de julho, no Tribunal Central Criminal de Lisboa, quase 11 anos depois de José Sócrates ter sido detido.
Os arguidos têm, em geral, negado a prática de qualquer ilícito.