Humor ofende ou não ofende?

É o julgamento mediático do momento na área artística. Falo, pois, do caso dos Anjos vs Joana Marques. Os cantores acreditam que a humorista manipulou um vídeo, em que cantavam o Hino Nacional, divulgado nas redes sociais. O vídeo nunca foi retirado da internet, evocando liberdade de expressão.

Mas será que a lei traça algum limite à liberdade de expressão, mais precisamente, no seio humorístico? Ora, a lei confere dignidade à liberdade de expressão assim como confere dignidade ao bom nome e à honra de cada ser humano. No meu ponto de vista, é crucial um direito não entrar em confronto com outro, sendo que um deverá ceder em prol do outro em determinadas situações.

Neste caso mediático em específico, as opiniões dividem-se e as questões são várias: será que um humorista não pode brincar, gozar ou criticar outro? Ou será que há um limite na liberdade de expressão?

Ora, o humor não é mais do que uma sátira ou uma crítica, cómica, relativamente a certos aspetos, atitudes ou facetas que todos temos, sendo esta mais enraizada e enfatizada. É como uma caricatura, um desenho humorístico que sobressai as nossas características.

Quem faz parte da vida pública – políticos, cantores, atores, apresentadores, estilistas, entre outros – está sujeito à opinião pública e a tudo o que esta envolve. A crítica faz parte. Essa crítica pode ser feita de uma maneira séria, através de crónicas de opinião, como pode ser feita através de crónicas humorísticas. Mas a verdade é que a crítica humorística é a que mais se receia, pois para além de ser mais viral ou até mais divulgada, expõe o “ridículo” de uma maneira que a crítica séria não expõe.

Todavia, nós temos vários comentadores e até humoristas portugueses que fazem o povo rir com as suas anedotas e piadonas, nomeadamente, Ricardo Araújo Pereira, Bruno Nogueira, Herman José… todos eles já comentaram certas personalidades com muita piada à mistura e não houve esta algazarra toda. Aliás, já houve sketchs bem mais agrestes do que este e não teve esta repercussão.

Recordo um episódio que talvez tenha sido mais criticado, nos anos 90, o sketch da Última Ceia, de Herman José, que foi censurado pelo facto da igreja considerar como sendo “uma ofensa gratuita”. Quem não se lembra?! A sátira em causa parodiava, tornando-a mundana, a derradeira refeição de Jesus e dos seus apóstolos. Eram outros tempos, não existia televisão por cabo nem redes sociais. A circunstância de ter sido a televisão pública a transmitir o programa foi decisiva no escândalo que se gerou num país onde a voz da igreja se fazia ouvir mais alto do que acontece hoje em dia.

Nessa altura, o limite de humor era a religião, a igreja. Hoje em dia, embora os tempos sejam diferentes, verifica-se que há muitos tabus sobre vários temas. Existem muitos grupos que se acham quase como “intocáveis” e que consideram errado fazer humor daquilo ou disto.

Confesso que vejo este caso com uma certa preocupação. Isto porque, caso os Anjos ganhem o processo, poderá abrir um precedente gravíssimo, condicionando a liberdade de expressão, não só dos humoristas, como de todos aqueles que expressam a sua opinião.

Sejamos sinceros: faz parte da vida sermos criticados e até pensarmos que estamos a ser ridicularizados. O humor e a sátira, por vezes, vão até ao limite, com o objetivo de expor a faceta do ridículo dos nossos comportamentos. Cabe a nós de nos distanciarmos, de sermos capazes de relativizar e de rirmos com as nossas próprias falhas.

Alexandra Nepomuceno escreve à segunda-feira, de 4 em 4 semanas.

Leave a comment

Your email address will not be published. Required fields are marked *