«Nós, as civilizações, sabemos agora que somos mortais»” Paul Valéry, 1919, “La Crise de l’esprit”
Milão, 10 de novembro de 1918. No rescaldo da Grande Guerra, da qual a Itália tinha saído vitoriosa, junto ao monumento comemorativo dos Cinco Dias de 1848, termina o cortejo da vitória. No meio do fervor nacionalista, um homem calvo, um jovem político e jornalista de combate, olha em volta em busca de um caminho para o poder.
Nas palavras de Antonio Scurati*, este homem, outrora um dos mais amados líderes da ala radical do Partido Socialista Revolucionário Italiano, expulso por ter abandonado as posições pacifistas da Internacional Socialista, procura um novo povo para liderar, que substitua os seus antigos camaradas, por quem nutre agora o ódio dos amantes despeitados.
Dono de uma notável intuição política, sobe, de improviso, ao camião dos “Arditi”, uma tropa de assalto glorificada pelo nacionalismo de guerra, constituída, na sua maioria, por criminosos comuns, violentos, os piores dos piores, promovidos a heróis pelas suas missões duras), tantas vezes suicidas, homens de faca nos dentes (como apareciam quase sempre representados na propaganda de guerra.
No fim da guerra, desnecessários, voltam a ser o que eram antes, marginalizados, dispensados sem honra e sem glória, “como uma criada infiel” como dirá o orador nessa tarde.
Este homem, que viu nos “Arditi” uma matilha de cães de guerra à procura de um dono, chama-se Benito Mussolini e acaba de encontrar os primeiros desses que serão o seu novo povo.
Menos de seis meses depois, em março de 1919 nascem oficialmente os “Fasci de Combattimento” numa sala do Círculo da Aliança Comercial e Industrial, situada na praça do Santo Sepulcro em Milão. A reunião esteve longe de ser um sucesso, com menos de cem participantes. Mas entre artistas, pequenos empresários, sindicalistas revolucionários e alguns jornalistas, destacam-se pelo seu número e pela atitude, esses mesmos profissionais da violência.
Mussolini é um excelente comunicador, Ele que foi diretor do “Avanti!” está habituado ao jornalismo de massas, orientado para as classes trabalhadoras empobrecidas, um jornalismo de frases curtas, sujeito-verbo-complemento-ponto-de-exclamação. Um slogan a cada três linhas.
Fala ao coração do povo. Porém, não apela à esperança, essa emoção poderosa, capaz de construir a mudança, como tinha feito antes no seu passado socialista. Para isso estavam lá os outros, aqueles que odiava. Não, precisava de algo mais poderoso: o medo.
“Eis o vosso inimigo!”, dirá aos pequenos aristocratas, à pequena burguesia, aos despeitados como ele que o ouvem. “O vosso inimigo está à vossa frente: são eles os socialistas, os italianos-estrangeiros, filiados num movimento internacional que quer dar esperanças aos que estão piores que vós, e que acabando com as desigualdades, acabam com os vossos privilégios. Sim, o inimigo está à vossa frente! Eu estou ao vosso lado!” repetirá vezes sem conta.
Até que o medo se transforme em ódio, temperado pela violência.
É esta a cola que vai unir o seu povo e levá-lo ao poder 3 anos depois: O medo da perda da posição na escala social, o medo da educação para todos, o medo dos direitos laborais, o medo das Mulheres Livres. o medo de que se não houver no suficiente pobres, como é poderemos ser ricos?
O medo dos que vêm de longe para trabalhar procurando sair da miséria.
O medo da Esperança dos outros.
E nós, de que lado queremos estar? Do lado da Esperança ou do lado de quem tem medo?
* – “Fascismo e Populismo – Mussolini Hoje” (2025) de António Scurati, ASA, é a minha sugestão de leitura de férias para quem quer compreender melhor o mundo de hoje, em que cada vez mais gente mostra medo perante a Esperança.