Urbanismo e Território

Caniço: Um Só Centro com Duas Praças, dois corações a precisar de Sintonia

Nas últimas décadas, o Caniço deixou de ser apenas uma freguesia periférica para se afirmar como o verdadeiro centro urbano do concelho de Santa Cruz. Com uma densidade populacional das mais elevadas da Madeira, uma construção em altura cada vez mais marcante e uma orientação natural de expansão em direção ao Funchal, o Caniço tornou-se o coração pulsante da vida económica, residencial e social do município.

Apesar de Santa Cruz continuar a ser o núcleo político-administrativo, é no Caniço que se concentra o quotidiano mais dinâmico. E por isso mesmo, impõe-se uma reflexão séria — e uma intervenção consequente — sobre o seu espaço urbano.

Na prática, o centro do Caniço organiza-se em torno de duas praças distintas, mas profundamente complementares: o centro comercial e moderno, e o centro histórico e espiritual da Praça da Igreja.

A Praça Comercial: O Shopping, Densidade sem Humanização

A primeira centralidade, mais visível e frequentada, estrutura-se em torno do centro comercial, da habitação em altura e de um intenso tráfego local. É um espaço funcional, mas esgotado. O chamado “miolo verde” ainda que tenha sombra, carece de conforto e beleza. Falta um projeto paisagístico moderno, que traga frescura e contemporânea lugares como este de permanência à população.

A circulação automóvel está desorganizada, com zonas de conflito mal resolvidas entre estacionamentos, saídas de parque e acessos pedonais. O mobiliário urbano é desajustado à escala e à vivência contemporânea. É urgente humanizar este centro com zonas pedonais universalmente acessíveis, espaços de convívio real e uma paisagem urbana renovada.

Acresce ainda a ausência de uma vida noturna saudável. Com tantos jovens a residir nesta zona, é incompreensível que não exista uma programação cultural mínima ou espaços de lazer adequados. A requalificação de edifícios emblemáticos, como o antigo “Três Jotas”, e aquele miolo consolidado, onde se poderia dar origem a novos equipamentos com funções mistas: culturais, sociais e económicas.

A Praça da Igreja: História, Espiritualidade e Identidade

A segunda centralidade do Caniço, tantas vezes esquecida, é a Praça da Igreja. Este espaço não é apenas simbólico — é fundador. Confinante com o cemitério, traduz um traço identitário do povoamento madeirense: a proximidade entre fé, memória e território. A relação entre igreja, praça e cemitério é comum a muitas freguesias da ilha e representa uma marca profunda da sua história espiritual e social.

Este conjunto urbano, que ainda mantém a traça original, precisa de ser valorizado com um projeto de requalificação respeitador, mas inovador. As intervenções pontuais feitas até hoje foram positivas, mas insuficientes. O espaço exige agora uma intervenção de fundo, com linguagem arquitetónica e paisagística clara, que permita devolver-lhe dignidade, identidade e funcionalidade.

É aqui que o património espiritual do Caniço — e da própria Madeira — se encontra concentrado. E é aqui que se pode resgatar uma parte do seu orgulho coletivo.

Urbanismo de Coerência e Identidade

Como urbanista, acredito que a revitalização de um território deve partir da sua verdade. E a verdade do Caniço é esta: um só centro com duas praças, dois corações que precisam bater em sintonia.

A praça do comércio, da modernidade e do consumo precisa de ser mais humana, mais verde e mais vivida. A praça da igreja, da espiritualidade e da memória, merece um tratamento digno da sua história e significado.

Não se trata apenas de urbanismo. Trata-se de identidade. De futuro. De dar ao Caniço o reconhecimento que há muito conquistou — e o espaço urbano que merece.

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