Viver fora do país traz muitas descobertas… Umas boas, outras nem tanto.
Uma delas é perceber que, quando começamos uma relação com alguém de outra cultura, entramos num território onde o amor não basta por si só. É preciso traduzir mais do que palavras: valores, gestos, hábitos, expectativas.
Em Bruxelas, onde moro há vários anos, é raro conhecer casais da mesma nacionalidade. A maioria dos meus amigos está em relações multiculturais. E não é difícil perceber porquê: esta cidade está cheia de gente que vive longe de casa, que se adaptou, que procura conexão num lugar onde quase ninguém tem raízes fundas. É uma cidade feita de pessoas com línguas, histórias e bagagens diferentes. Na minha bolha, é raro ver um casal que fale a mesma língua materna. Tenho amigos portugueses com britânicos ou irlandeses, italianos com franceses, franceses com gregos, espanhóis com polacos, e muitas outras misturas. E não é só bonito. É, acima de tudo, revelador.
Revelador de como a cultura nos molda. E de como, por mais abertos que sejamos, carregamos connosco formas muito enraizadas de viver o amor. Eu própria já me apaixonei por alguém que não cresceu com as mesmas referências ou língua do que eu. E isso muda muita coisa.
No início, tudo é entusiasmante: aprendemos novas formas de dizer as coisas, novas comidas, novas festas. Mas o dia a dia aparece rápido. E aí começamos a perceber o que não encaixa tão facilmente. A forma de discutir, de demonstrar afeto, de pedir desculpa. As pequenas coisas que achávamos “óbvias” deixam de o ser. O que é natural para mim pode ser estranho para ele e vice-versa.
Às vezes, nem é uma questão de língua. É mesmo de mentalidade. De maneira de estar no mundo. E é aí que começa o verdadeiro esforço: não o de mudar, mas o de explicar, de negociar, de encontrar um meio-termo. Amar alguém de outra cultura é, muitas vezes, confrontar-nos com o que achamos ser “normal” e perceber que isso é só a nossa versão das coisas. As lentes que temos desde sempre e com as quais vemos o “nosso” mundo. Obriga-nos a pensar mais no que fazemos e dizemos. Não podemos amar em piloto automático. Temos de aprender uma nova forma de estar em relação, feita de diálogo, escuta e tentativa. Às vezes falha. Outras vezes, dá certo e fica mais forte.
Mas há ainda o meu lado favorito nisto. Numa relação intercultural, não mostramos só quem somos como pessoas: mostramos também o lugar de onde viemos. A forma como fomos criados, o que comemos quando estamos doentes, as palavras que usamos quando estamos cansados, tristes ou felizes. Aos poucos, apresentamos o nosso mundo a alguém que não o conhece e que nunca o sequer imaginou. E isso também é bonito. Não no sentido romântico, mas no de pertença. É uma forma de mantermos viva a nossa cultura, mesmo vivendo fisicamente longe dela.
No meu caso, isso significa explicar o que é a Madeira, onde fica, o que significa ser madeirense. E trazer a Madeira à baila em quase todas as conversas. “Ah, esta bebida é boa, mas espera até provares poncha!” Coisas que, muitas vezes, parecem pequenas, mas que fazem parte de mim. E quando alguém do outro lado começa a perceber isso, quando reconhece uma música do nosso Natal ou pergunta por que dizemos “semilha” em vez de “batata”, sentimos que levámos um bocadinho da nossa terra connosco.
E é assim que a Madeira ganha mais um madeirense… Alguém que nasceu noutro lugar, mas que vai continuar a “crescer” a conhecer palavras, sabores e histórias de uma ilha no Atlântico, contadas por alguém que nunca deixou de lá pertencer.