Para a frente e para trás

Muitas pessoas perguntam: Como se superam traumas? E apesar de sermos todos conhecidos do tema, afinal são poucos os seres humanos que não enfrentaram um trauma na vida, pequeno ou grande, continua a haver muita informação confusa.

Falamos de lutos tão diferentes, que quase raramente se fala de luto de morte. Lutos de empregos, relações, amizades… quiçá até de objetos. Banalizam-se conceitos e misturam-se ideias. Devido ao apego sem limites que estabelecemos entre algo e o nosso eu. Quem é que nós somos? O que temos? O que fazemos? O que sentimos? Quando isso desaparece, então o que sobra?

Noutras épocas, noutras culturas, há coisas que é impensável desistir, mas no nosso mundo moderno, quase não temos nada de que não se possa desistir. Entre a cultura do medo e da aversão ao sofrimento, ficamos perdidos sem saber quando devemos insistir e quando devemos, de facto, desistir.

Mas os traumas, os nossos eventos de intenso sofrimento não se ultrapassam de uma vez só. Uns dias damos uns passos em frente, noutros voltamos para trás. E não tem qualquer significado andar para a frente e para trás. Aqueles que acham que passam de uma vez só e sem sofrimento, meses, anos depois, revela-se no seu comportamento as limitações do trauma e habitualmente acabam por entrar em alguma espiral de sofrimento. Habitualmente estas pessoas são motivadas por “não terem tempo para caírem” ou um medo intenso de sofrer. Isto é criar um bloqueio. Assim, não interessa passar depressa pelo trauma. Como também não interessa ficar a remoer os detalhes do trauma.

Temos como exemplos recentes mortes de figuras importantes de diversas áreas da sociedade. Religião, política, desporto, música… pelos vários temas da sociedade, tem havido mortes significativas. Para quem vive, é mais importante enfrentar o seu sofrimento e procurar a libertação real, do que investigar detalhes sem fim. É preciso saber qual a causa da morte? Quais os detalhes dos eventos que culminaram no sucedido? Não, na minha opinião.

A pessoa precisa de enfrentar a sua perda e do que fará a seguir. A busca pela causa é uma prisão emocional. Não que a parte legal do tema não seja importante, mas esta é uma análise às nossas emoções e pensamentos.

Se descobrirmos a causa, o que fazemos com ela? Passamos a vida a destruir quem foi responsável? E se foi um acidente? Algo incontrolável? Continuamos uma busca interminável, sedentos de vingança?

Este é o problema atual. Estamos demasiado agarrados a posses, a pessoas, a títulos e bens. Precisamos de compreender a vida de outra forma. Seguir um dos princípios básicos do Budismo trará muita paz. A impermanência. Nada permanecerá igual no universo. Está tudo sempre a mudar.

Dentro e fora de nós. Por vezes quase não se vê a mudança, por vezes é demasiado óbvia.

É com base neste princípio que devemos viver no presente, aprendendo com o passado e preparando alguns passos para a frente. Cultivando a profundidade das relações e ligações. Ultrapassar o apego cultivado pela sociedade atual é reconhecer que nada permanece igual, nem para sempre.

Se vivermos o que temos para viver no presente, quando o caos da vida mudar subitamente, estamos emocionalmente mais capazes de enfrentar, mesmo que o mundo fique de pernas para o ar. Precisamos de cultivar a nossa profundidade e não apenas maquilhar e editar a nossa pele. É importante uma pele saudável, mas a pele não é nada sem a profundidade do ser.

Leave a comment

Your email address will not be published. Required fields are marked *