Passada a “espuma dos dias” (na bela expressão, em título, da obra de Boris Vian, 1947), o que fica do mais recente, na eleição pelo colégio cardinalício do atual Papa Leão XIV, é a feliz escolha do seu nome em homenagem ao Papa Leão XIII (1878/1903).
De Leão XIII, entre outras encíclicas menos divulgadas pelos media, a encíclica Rerum Novarum (1891) “Das Coisas Novas” é de facto aquela que lhe marcou o papado. A importância que acabou tendo em virtude de transpor os “muros” eclesiásticos, já que abordou pela primeira vez questões de desigualdade social e justiça social, enfrentando de forma aberta os direitos e deveres, quer do capital, quer do trabalho, acabaram sendo relevantes pelo seu pioneirismo, mas, sobretudo, por colocar a Igreja de forma a tomar partido por um sentido humanista, concreto, na visão do Trabalho, que se encontrava em mudança desde os tempos iniciais da humanidade.
Hoje, como foi difundido pelo Vatican News, aquando da eleição de Leão XIV, os tempos não sendo semelhantes, aos de finais do sec. XIX e não existindo, talvez de forma tão fulgurosa e tensa, um pulsar no mundo laboral, que ao tempo decorria em consequência da omissão das mais elementares regras e preceitos reguladores, e em muitos casos, sem o mínimo respeito pela vida Humana. Realidade, adite-se, que estará historicamente na génese do despontar das ideologias, que veem na luta social as razões para os desequilíbrios e apontam para a sua correção por meios extremos.
Não obstante, os atuais desafios do mundo laboral são palco de contrastes e assimetrias, na constante distribuição de valores e nalguns casos geradores dos inevitáveis desequilíbrios sociais e marginalização social, que acabam por assim convocar à posição assumida por Leão XIV e levá-lo a defender a pertinência em centrar o seu pontificado, o que se saúda!, na “harmonia entre as classes sociais, (…) em favor da colaboração e do bem comum”.
Longe poderão parecer os tempos onde a máquina “despontava” e a automação ocupava espaço (quem não recorda “Tempos Modernos” de Chaplin). Período onde aquela começa a marcar o ritmo e a impor-se de tal forma que é a referência e o indicador para a produção e para a quantidade/qualidade do trabalho que o próprio Homem produz.
Contudo, hoje, o despontar da IA (a máquina, agora mais sofisticada), das migrações desreguladas, que a globalização e os mercados mundiais potenciam, como vem alertando a OIT, entre outros, colocam semelhantes desafios e tornam-se “terreno” próprio para o aparecimento de tensões conflituais.
Estaremos, talvez, em ambos os casos, perante o essencial e existencial da fragilidade humana, como evidenciava de forma acutilante e sagaz Arendt (“A condição humana, 1958”). Trabalho com dignidade e com respeito pelos valores da convivência em sociedade entre os Homens, ao que se adita, cada vez mais, com uma relação intrínseca com a Natureza (como Francisco evocou em Laudato Si).
Por tudo isto, será então oportuno e fator de relevo colocar, de novo, na História, a posição da Igreja. E será certamente isto, que Leão XIV pretenderá esperando que o sentido relevante, que a encíclica Rerum Novarum teve (na sua época) possa, na contemporaneidade, continuar a servir de alerta e reflexão aos novos desafios do mundo laboral.