Democracia: o único jogo na cidade?

Em 1974, com a Revolução de Abril, Portugal iniciou a sua caminhada para a democracia. O processo foi marcado por avanços e retrocessos: um período de transição conturbado, a aprovação da Constituição em 1976 e a sua revisão de 1982 que afastou os militares da política, a integração na União Europeia, e crises económicas e políticas.

O percurso da democracia portuguesa foi marcado por uma consolidação sustentada no pluralismo político, na igualdade perante a lei, no sufrágio universal, numa estrutura partidária estável, no respeito pelos direitos, liberdades e garantias, na liberdade de imprensa e na autonomia da justiça. Ao percurso político soma-se o crescimento económico e social que deixam os indicadores da década de 70 muito ultrapassados.

Portugal, em 2024, é reconhecido como uma democracia plena, no 23º lugar entre 167 países avaliados no “Democracy Index 2024, Economist Inteligence Unit (ElU)”, pertencendo a um clube muito restrito de apenas 7% da população mundial.

A democracia portuguesa enfrenta hoje o paradoxo de ser uma estrutura estável, mas permeável a crises de confiança e não imune ao contágio do sistema internacional. A crescente influência de atores externos e a competição geoestratégica colocam pressão sobre a democracia.

Portugal opera num ambiente marcado pelo seu caráter anti cosmopolita, não mais centrada no anticomunismo, mas numa rejeição ativa do pluralismo liberal. A fragilidade dos regimes liberais, como a Hungria ou Israel, evidencia que a democracia não está garantida. A democracia resiste, mas não é invulnerável.

A nível interno, a democracia portuguesa enfrenta, entre outros, diversos desafios: abstenção eleitoral que se mantém elevada; a perceção de crescente corrupção e falta de transparência; o crescimento do populismo e desinformação que mina a confiança nas instituições e polariza o debate político. No plano institucional persistem problemas estruturais como a lentidão da justiça, a dificuldade em concretizar reformas profundas, nomeadamente na habitação e na saúde.

A classe média, que foi um ator fundamental na transição e consolidação democrática em Portugal, hoje apresenta sinais de descrença no regime de Abril. Esta realidade decorre da incapacidade dos sucessivos governos em diminuir para níveis aceitáveis as desigualdades sociais e económicas, o risco de pobreza e de exclusão social em Portugal, bem como das assimetrias entre as diferentes regiões do país. Em suma, a perceção de que o sistema serve interesses próprios e não os da res publica.

Desta realidade, ou perceção, surgem ameaças para a democracia: o crescente fosso entre os cidadãos as elites políticas; e o surgir de lideranças de extrema-direita que se constituem como disruptivas e que têm a “receita” para todos os males da sociedade.

Apesar destes desafios, é importante sublinhar que a democracia portuguesa tem demonstrado resiliência e não está em risco iminente, mas está longe de ser intocável. A confiança nas instituições não se decreta – constrói-se com transparência, justiça e responsabilidade. É preciso reformar, inovar e, sobretudo, educar para a cidadania ativa, integrando a participação cívica como prática quotidiana e não apenas episódica.

Garantir que a “democracia é o único jogo na cidade”, o singular método aceitável e forma legitima de ação política para resolver conflitos e organizar a sociedade, sem alternativas ou ameaças que desafiem a sua legitimidade é a nossa missão quotidiana e legado para a gerações futuras.

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