Vou começar por confessar que já fui mais sensível a insultos. Juro. O meu gosto pelo “sangue” fez-me perceber que, do outro lado, está alguém que sente o “dedo na ferida”. E a dor, sendo um sentimento, é experienciada das mais diversas formas pelos demais.
Há os queixinhas. Que choram até por uma carícia na cabeça. Há os sensíveis. Que fazem beicinho por um encontrão, de leve, no ombro. Há os moderados. Que mordem o dedo por uma trilhadela numa gaveta. Há os tolerantes. Que sopram por uma pantufada do dedo mindinho na esquina do móvel. Há os durões. Que sorriem de uma joelhada nas partes baixas. Há, portanto, de tudo. E ninguém é melhor do que alguém.
Para ser sincero, eu até acho que já fui todos. Mais, suspeito que ainda hoje não seja definitivamente apenas um. Sim, há dias em que me estou completamente a marimbar para o que dizem… Felizmente a maioria! Porém, outros há em que um simples olhar reprovador já me desestabiliza. Esses devem ser aqueles em que acordo a pensar que sou uma caixinha de sugestões e que a opinião dos outros conta.
Por outro lado, escrever fez-me perceber (à força) também que a minha opinião, por mais que me pareça óbvia e única, não passa disso mesmo. Da minha opinião! E que os outros não são obrigados a pensar da mesma forma. E isso está bem também. Percebi, no fundo, que a minha liberdade de expressão é tão sagrada como a dos que pensam e dizem o contrário de mim.
Só que essa liberdade, que é um direito fundamental consagrado tanto na Constituição da República Portuguesa quanto em instrumentos internacionais de direitos humanos, também tem limites. Ah pois é… Mas então quais são e, não menos importante, quem os define?
Vamos então por partes. Os limites são: 1) proteção da honra e reputação (a liberdade de expressão não pode ser usada para difamar, caluniar ou injuriar). 2) Proteção da segurança nacional e ordem pública (o Estado pode restringir a liberdade de expressão em casos de ameaça à segurança nacional, à ordem pública ou à segurança). 3) Proteção dos direitos de terceiros (a liberdade de expressão não pode ser usada para justificar a violência, a discriminação ou o ódio). 4) Proteção da privacidade (a liberdade de expressão não pode ser usada para divulgar informações privadas sem o consentimento da pessoa).
E quem os define são: 1) a constituição (estabelece limites gerais). 2) o legislador (cria leis que detalham os limites em áreas específicas). 3) os tribunais (responsáveis por interpretar a lei e aplicar os limites da liberdade de expressão em casos concretos). 4) a sociedade (através do debate público e da conscientização, pode influenciar a forma como a liberdade de expressão é exercida e quais os limites que são considerados aceitáveis).
Pronto. Agora é que o caldo entornou. É que a sociedade, tal e qual a conheço actualmente, não se entende em relação a quase nada. Há quem defenda a eutanásia, mas rejeite o aborto. Quem apele à paz, mas não se canse de promover a guerra. Por sorte, embora cada vez em maior número, estes não são o todo. Mas serão, também estes seres, os que decidirão o que se pode ou não dizer.
Por exemplo, por estes dias, um Secretário em plena Assembleia Legislativa da Madeira, insultou deputados. Utilizou palavras que, segundo o próprio, foram num contexto protegido por lei: “os apartes parlamentares existem na Madeira, nos Açores, a nível nacional, em qualquer parlamento e há uma determinada cultura política ou partidária parlamentar que é permissível a esses mesmos apartes”. E que os mesmos não são da sua autoria. Juro. “Os termos que eu utilizei estão no dicionário da língua portuguesa e, como se pode ver, são adjetivos que nós, com muita regularidade, utilizamos e que o léxico popular utiliza frequentemente”. Pronto. Bonito serviço. Permitam-me então um aparte e façam-me um favor. Vão para o caralhinho ([derivação masculino singular de caralho] ou [nome masculino]. Utensílio de madeira, com uma extremidade dentada, usado para esmagar e mexer os ingredientes da poncha) in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa.
Sim, o senhor Secretário incluído.
É que acredito que não haja, quem me esteja a ler ou não, que não tenha já dito o que não queria. Que não tenha errado no trato. E isso não define uma pessoa! Os humanos falham. Claudicam. Acontece aos melhores, reconheço. Mas o que se faz depois de cometido o erro, sim. Sim! Sim! Procurar justificar o injustificável para, então em último recurso, pedir desculpa foi pior a emenda que o soneto. Se quer saber, estou a favor e a desfavor da sua demissão. A desfavor da sua demissão do cargo. Mas muito a favor que se demita de voltar a fazer comentários do género.
Por fim, nota máxima para a nossa Presidente da ALM. Aquando da sua tomada de posse afirmou: “O parlamento é de facto o local próprio para a discussão, para o debate, para o diálogo. Obviamente que aquilo que vou tentar é que façamos isso com o maior respeito entre nós, com maior dignidade”. 1 mês e pouco depois, Rubina Leal já foi posta à prova. E que prova! Ainda que rejeitando a responsabilidade sobre um possível castigo, foi bem clara: “Não posso desvalorizar as palavras que foram proferidas. Obviamente que não aceito um discurso que seja destrutivo ou discriminatório”. Foda-se. Ups, desculpem. Perdão. Se o palavrão não estiver no dicionário, podem censurar-me. Entusiasmei-me. Queria escrever parabéns. Bravo.
Ps, faleceu o Padre Martins. Partiu Júnior de nome, mas já Sénior de idade! E, como todos os “desalinhados”, deixou por cá alguns amigos e muitos inimigos. Eu, não me podendo considerar nem um nem outro, só lamento que não tenha seguido, desta feita, as agendas do DN como fez aquando da apresentação do meu livro. Se assim o fizesse, talvez não tivesse chegado ainda a sua hora. É que, na altura, sentou-se quando já todos se tinham levantado. Sim, chegou 1h depois do evento, mas à hora anunciada pelo matutino.
Descanse em paz.