A minha geração, nascida nos anos 70, conheceu muitos homens e mulheres que viveram a sua homossexualidade em “armários escuros e assustadores”. As gerações anteriores, ainda pior. Hoje, parece que corremos novamente esse risco. As letras arduamente conquistadas pela população LGBTQIA+ estão em perigo de ser apagadas.
Apagadas por decisões políticas baseadas na ignorância e na negação da ciência. Por isso, com o apoio de especialistas em sexualidade, decidi escrever este artigo. O que está em causa não é uma opinião pessoal. É o direito de existir com dignidade.
É assustador ver discursos públicos a espalhar desinformação. Pior ainda é ver adultos a repeti-los como se fossem verdades absolutas. Gozar com a orientação sexual, deslegitimar identidades de género, insultar quem não se encaixa numa norma… Isso nunca será liberdade de expressão. É ignorância.
Junho é o mês do orgulho LGBTQIA+. Como disse a psicóloga Gabriela Moita: “Quem passa uma vida inteira a sofrer pela ignorância dos outros, com medo de ser quem é, só pode sentir orgulho quando finalmente se assume.”
Não se trata de exibir. Trata-se de resistir. De finalmente poder existir.
A sexualidade é uma parte central do ser humano. Está na base das nossas relações, da nossa saúde e da forma como nos ligamos ao mundo. Reduzi-la ao ato sexual ou tratá-la como tabu é perpetuar a repressão e a desigualdade.
Se consultarmos a história, vemos que há mais de dois mil e oitocentos anos, na Grécia Antiga e em Roma, a vivência da sexualidade era plural. Relações entre pessoas do mesmo sexo que não eram condenadas nem escondidas. Eram vividas. Foi a moral imposta pela religião e o poder político que, ao longo dos séculos, moldaram o que hoje se considera “normal”.
Mas o que é, afinal, normal?
Em sexualidade, tudo é normal desde que haja consentimento e não exista sofrimento clínico envolvido.
A heteronormatividade, isto é, a ideia de que só há uma forma legítima de amar, entre homem e mulher, é uma construção social. Tal como a repronormatividade, que coloca a reprodução como finalidade suprema da sexualidade, apagando todas as outras formas legítimas de prazer e intimidade. Sexo já não é só para fazer filhos!
Estas crenças moldam comportamentos e alimentam o capitalismo. Um sistema que se sustenta na família nuclear homem-mulher, na reprodução como fornecimento de mão de obra, e no consumo guiado por papéis de género rígidos.
Somos manipulados?
A sexualidade é fluida. É influenciada por crenças históricas e culturais. Basta olhar para trás para perceber que nunca foi uma realidade fixa. E é precisamente por isso que há quem tema essa fluidez. Porque ela ameaça as estruturas que sempre serviram para nos controlar.
A sociedade não foi desenhada para nos ensinar a sentir prazer. Foi desenhada para nos ensinar a produzir.
Relações baseadas no prazer, na liberdade e no respeito não alimentam o sistema de produção. Relações baseadas em obrigações e papéis fechados, sim.
E quanta ignorância é necessária para alguém afirmar, como já ouvi: “E se todos forem homossexuais? O mundo acabaria por falta de filhos.” Questiono sempre: mas os homossexuais e as lésbicas são inférteis?
Existem múltiplas orientações sexuais. A diversidade é a norma, não a exceção, ao contrário do que nos tentaram ensinar.
É urgente educar! Educar sobre sexualidade não antecipa a vida sexual. Apenas nos torna mais informados, seguros e respeitadores. Só o conhecimento nos liberta e:
“Só a ignorância pode justificar tudo o que se está a passar no nosso país.” Gabriela Moita