Resgatar o saber, dignificar a prática, reestruturar o futuro

Na condição insular da Madeira, onde a paisagem se afirma com resiliência sobre a topografia, a construção tem sido sempre mais do que ofício — é ato contínuo de adaptação, memória e engenho do quotidiano. Contudo, atravessamos um tempo em que o sector da construção civil revela uma fratura profunda entre o que se exige construir e quem o pode efetivamente construir. A escassez de mão de obra qualificada, aliada à sua crescente desvalorização social, impõe uma reflexão estrutural: precisamos de uma Escola de Construção na Madeira, como fundação necessária para o futuro.

Recordemos os tempos da Escola Industrial, onde se formavam carpinteiros, pedreiros, eletricistas, mestres e técnicos com conhecimento sólido, saber manual e consciência do valor do seu trabalho. Esse modelo, ancorado na articulação entre teoria e prática, soube dignificar o trabalho técnico sem o subalternizar. A escola era lugar de encontro entre a técnica e a ética, entre o aprender e o fazer. Hoje, essa ligação está fragmentada. Persistem saberes, mas dispersos, envelhecidos, sem transmissão formal ou sistematização crítica.

Vivemos um paradoxo inquietante: há obra para fazer, há investimento, há procura — mas faltam os profissionais (qualificados). A ausência de formação especializada, aliada a uma cultura que durante décadas secundarizou os percursos técnicos em favor de uma academia de valor duvidoso, resultou numa geração desencorajada de enveredar pela construção. A profissão do construtor civil, outrora nobre e indispensável, viu-se reduzida a uma imagem de precariedade, baixa remuneração e invisibilidade social.

Assistimos a uma inversão perversa de valores no sector. Os preços da construção estão em alta histórica; nunca se cobrou tanto por metro quadrado, e nunca se construiu tão mal. A mão de obra, embora escassa, tornou-se dispendiosa — não pela sua excelência, mas precisamente pela sua raridade. Paradoxalmente, quanto menos qualificada, mais poder negocial parece deter. Há construtores – com exceções – que escolhem obras como quem escolhe fruta no mercado, ditando prazos, valores e condições sem qualquer compromisso com a qualidade ou o rigor. Este é o retrato de um sistema desestruturado, onde se confunde o improviso com experiência e a falta de critério com criatividade. E é, justamente, este cenário que uma Escola de Construção deve combater, com disciplina, saber e exigência.

Uma escola de construção seria, assim, mais do que um centro formativo: seria um espaço de revalorização simbólica e prática do sector. Formar-se-iam não apenas operários, mas técnicos especializados, capazes de compreender os sistemas construtivos contemporâneos, dominar técnicas tradicionais e inovadoras, dialogar com engenheiros, arquitetos e gestores de obra num plano horizontal. Esta valorização da especialização teria, inevitavelmente, impacto na valorização salarial — e mais importante ainda, na autoestima profissional e no reconhecimento social.

Precisamos formar construtores conscientes do seu papel transformador — não apenas como executantes, mas como agentes do espaço edificado. Com uma escola própria, a Madeira poderia transformar a fragilidade atual em oportunidade: assumir a formação na construção como estratégia de soberania territorial, de inclusão social e de modernização produtiva. Seria, ao mesmo tempo, um resgate da dignidade do trabalho manual e um investimento na qualificação que gera valor económico duradouro.

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