Santos e pecadores populares

Vivemos o tempo dos Santos Populares.

Das festas alegres e coloridas.

Das sardinhas e bailaricos em todos os lugares.

Das rimas fáceis e divertidas.

Experimentamos uma espécie de advento da estação mais quente. Ainda andamos cobertos por um capacete de nuvens que nos deixa desconfortáveis, mas as tardes já são maiores, o frio foi embora e cheira a férias.

A juntar a este quadro, nota-se um esforço dos cidadãos para desligar dos temas sérios. E é compreensível. Andamos há mais de dois anos mergulhados em polémicas, em crises políticas, em conflitos e agora apetece desligar.

Logo agora, que se sente um clima mais normalizado à conta da tão anunciada estabilidade que permite aos governantes governar e obriga a trabalhar os zelosos funcionários que viviam bem naquela fase do deixa-andar-porque-falta-orçamento.

Essa fase acaba na próxima semana, com a aprovação do Plano e Orçamento e acabam-se também as desculpas que vigoraram durante largos meses.

Mas, a seguir a maio, vem São João.

Este sentimento de descompressão vem acompanhado por uma sensação de escapadinha de fim de semana alargado. É porque todos sabemos que a seguir a esta janela no calendário político, vêm mais eleições, mais campanha, mais partidos, mais candidatos, mais promessas.

Então, este hiato surge como um espaço temporal propício a algum relaxamento com tanto de saudável como de perigoso.

Este intervalo para os Santos Populares, é ouro para os pecadores populares. E eles andam por aí.

Na verdade, são os novos pecadores. E são assustadoramente populares.

Falamos aqui daqueles indivíduos que se elevam a uma categoria que manifestamente não têm. São os que se acham acima dos outros. Os que se propõem delimitar o estado, definir quem é bom e quem não presta, quem pode ou não pode entrar e viver e trabalhar em Portugal.

São os que escrevem barbaridades sobre a nacionalidade ‘portugueza’ com z.

São os que agridem atores porque sim.

São os que criam e alimentam discursos de ódio.

São os que fomentam divergências que já não deviam contar.

São os que incendeiam divisões entre cores e géneros e opções individuais.

São todos esses os novos pecadores. E sim, são estranha e assustadoramente populares.

Tão populares que acabam de alargar significativamente a sua representatividade no Parlamento do nosso país.

Essa onda que começa a varrer o Portugal constitui um perigo que não devíamos descurar. E essa é a parte mais estranha do enredo para onde nos levam porque ainda há, entre nós, famílias que testemunharam como era o tempo da outra senhora.

E, mesmo assim, há tanta gente de bem entretida com os Santos Populares sem olhar ao crescimento de fenómenos igualmente populares e populistas que ameaçam direitos, liberdades e garantias. Que colocam em causa a democracia e pilares da livre cidadania com a ideia de que Portugal precisa de líderes fortes.

Portugal já viveu essa fase. Já deu para esse peditório.

Chega!

O padre Martins “deixou de ser visto”

A paróquia da Ribeira Seca recorreu quinta-feira a uma bonita citação de Fernando Pessoa para ajudar a compreender uma nova realidade: o padre José Martins Júnior “deixou de ser visto”. Deixa de estar entre nós. Deixa de falar naquele tom paroquial da velha Igreja. Deixa aquele seu entusiasmo contagiante. Deixa de intervir entre os vivos.

Deixa tudo isso. Mas deixa-nos muito mais do que isso tudo.

Fica um verdadeiro legado de cidadania ativa. De participação pública. De presença inconformada. De olhar crítico. De luta e convicções profundas.

Foi um homem que fez o seu tempo. Que marcou uma geração. Que construiu o seu próprio Abril.

Não é preciso que concordemos todos com tudo o que fez. Nem ele quereria tal sacrilégio. Mas, com todas as virtudes e falhas de José Martins Júnior, é impossível não reconhecer a figura que foi. A figura que é, mesmo agora que “deixou de ser visto”.

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