”Queremos uma relação limpa e saudável entre a cultura e a política. Não queremos opressão cultural. Também não queremos dirigismo cultural. A política, sempre que quer dirigir a cultura, engana-se. Pois o dirigismo é uma forma de anticultura e toda a anticultura é reacionária.”Sophia de Mello Breyner Andersen, na Assembleia Constituinte
Esta é uma crónica bastante diferente da que tinha pensado há uma semana, mas desde então o Mundo rodou demasiado depressa para que o pudesse acompanhar com a serenidade que desejava.
Achei que tinha encontrado um tema melhor na segunda-feira. Na minha ingenuidade, pensei que o 10 de Junho de 2025 ficaria marcado pelo excelente discurso de Lídia Jorge.
Um discurso que, como os seus livros, nos faz perguntas e nos dá respostas, mas a perguntas diferentes, que nem sempre tínhamos pensado fazer. Um discurso com vários tons e camadas, que deixa avisos à navegação, mas nos deixa também esperança e pistas para encontramos as lanternas que nos podem ajudar a encontrar a alumiar a escuridão que vai caindo um pouco por todo o mundo, e que nos convoca para procurar no passado alguns caminhos de futuro.
No entanto, depois daquela evocação que nos convoca a pensar e a ler o mundo com espírito crítico e a valorizar a riqueza da nossa cultura tão aberta e diversa, o dia ficou manchado por quem clama para si o exclusivo da liberdade de expressão, ou pior, a liberdade e o direito de oprimir, violentamente, quem de si discorda.
É inaceitável!
O respeito pela nossa cultura e identidade não é a agressão a artistas, não é invadir palcos ou ameaçar de morte quem os pisa.
Cito Sophia para lembrar onde estávamos há pouco mais de cinco décadas, e celebrar o que conseguimos desde então. Mas também para lembrar para onde nos querem arrastar, ao murro, à facada e aos tiros quando resistirmos.
Não faço tenção de lhes facilitar o trabalho.
Mas depois chegou-me outra uma triste notícia, com o anoitecer de quinta-feira: o desaparecimento físico do Padre José Martins Júnior.
O Padre Martins é uma figura ímpar da verdadeira Autonomia, aquela que procura empoderar o povo Madeirense.
Se há pessoas que personificam o espírito da Liberdade que o 25 de Abril nos proporcionou, José Martins Júnior é uma dessas pessoas.
É um homem que mostrou que quando nos juntamos somos muito fortes coletivamente, mas também individualmente. Pelo menos três gerações da Ribeira Seca, Machico, conseguiram fintar o destino que lhes estava reservado e a que as queriam condenar e ajudou-as a conquistar a humanidade e a felicidade terrena com que qualquer Deus-Amor valoriza: o de cumprirmos o nosso potencial.
A sua crença na educação e na cultura assenta no exemplo. Também ele quis cumprir o seu potencial quando aos 84 decidiu inscrever-se no Doutoramento em Estudos Globais, para se melhorar, para aprender, para criar e partilhar conhecimento, porque, como me dizia há dias, o conhecimento é, a par do amor, a grande dádiva que podemos partilhar todos os dias e ficar mais ricos.
A ausência da sua presença, da sua companhia, do seu humor e olhar atento será sentida. Mas a sua presença está viva, em cada uma das centenas de notas de música que se ouvem todos os dias na Ribeira Seca, no espírito daquela comunidade, no elevador social da educação e, acima de tudo, na autonomia de cada pessoa.
Pessoas assim nunca morrem, só deixamos de as encontrar no café.
Vamos passando por lá, mesmo que não nos encontremos, continuará a haver motivo para conversarmos mais um pouco, ou partilhar uns caramujos.