Uma das características mais reveladoras das nossas democracias modernas é a sua perpétua consagração ao presente. São regimes que, embora se orgulhem da “santidade” da vontade popular, são escravos dos caprichos transitórios do eleitorado, sempre susceptíveis ao último pânico e dispostos a comprar aplausos momentâneos com a moeda da ruína futura. Na alardeada “era do povo”, a “próxima eleição” importa mais do que a próxima geração.
O atual debate sobre a idade da reforma na Europa, particularmente a decisão da Dinamarca de a fixar nos setenta anos até 2040 (apenas dez anos aquém da esperança média de vida dinamarquesa!) revela esta miopia democrática. Uma medida celebrada como “progressista” nos círculos académicos traduz-se, na realidade, num ato vil de pilhagem geracional: os jovens atuais, futuros seniores, serão coagidos a trabalhar mais tempo, não para garantir o seu próprio futuro, mas para manter o conforto da curta duração de uma geração envelhecida. Em vez de recalibrar os benefícios, através de um sistema misto de pensões (público e privado), fixando um teto para descontos e pensões, o sistema opta por sobrecarregar interminavelmente, por mais tempo, quem labuta hoje. O eleitor de amanhã? Uma abstração conveniente.
No entanto, a ironia maior do nosso tempo não está nas taxas de natalidade ou na esperança de vida, esses mantras incessantes da tecnocracia, mas na revolução silenciosa do trabalho. Linhas de montagem robotizadas, algoritmos e inteligência artificial substituem a força humana a um ritmo vertiginoso e, no entanto, este vasto exército de trabalhadores sintéticos nada contribui para a rede de segurança social que sufoca o trabalhador de carne e osso. Para evitar desconfortos imediatos, o Estado democrático recusa-se a debater a integração das máquinas no Contrato Social. Prefere apertar ainda mais o cerco fiscal aos vivos, poupando as engrenagens que geram riqueza sem obrigações.
E o bem comum? Exige reconhecer que só a legitimidade intergeracional merece esse nome. Ironicamente, são os Estados “monopartidários”, como a China, que parecem compreender que a sobrevivência política depende de assegurar a lealdade das gerações futuras por via de políticas que não devorem o futuro das gerações vindouras. Enquanto isso, as democracias liberais do Ocidente, reféns do ciclo eleitoral, tornam-se leiloeiras do património dos jovens, sacrificando o futuro no altar do conforto fugaz dos que votam e vivem do Estado Social.
Esta cegueira não só perpetua injustiças como trai a própria promessa do progresso tecnológico: libertar o homem do labor incessante para que se dedique a fins mais nobres: à ciência, à arte, à contemplação. Mas, ao se recusar integrar o labor das máquinas no Contrato Social, condena-nos a um futuro onde a Humanidade, mesmo ladeada por máquinas incansáveis, labuta até à morte, e a riqueza gerada vai apenas para os poucos que as detêm. Isto não é progresso, mas sim servidão sob outro nome.
Parafraseando Sua Santidade, o Papa Leão XIV: os desenvolvimentos da inteligência artificial trazem novos desafios para a defesa da dignidade humana, da justiça e do trabalho. Se as democracias liberais ocidentais persistirem na letargia democrática, a reforma aos setenta anos será apenas o começo de um tempo onde as máquinas prosperam e a Humanidade se curva.